sábado, 16 de fevereiro de 2008

Mensagem de Bento XVI para o XVI Dia Mundial do Doente 2008

Prezados irmãos e irmãs

1. A 11 de Fevereiro, memória da Bem-Aventurada Virgem de Lourdes, celebra-se o Dia Mundial do Doente, ocasião propícia para reflectir sobre o sentido do sofrimento e sobre o dever cristão de o assumir em qualquer situação onde ele estiver presente. No corrente ano, esta significativa celebração vincula-se a dois importantes acontecimentos para a vida da Igreja, como se compreende já do tema escolhido: "A Eucaristia, Lourdes e o cuidado pastoral dos doentes": o sesquicentenário das aparições da Imaculada em Lourdes e a celebração do Congresso Eucarístico Internacional em Québec, no Canadá. De tal modo, oferece-se uma oportunidade singular para considerar a estreita ligação que existe entre o Mistério eucarístico, a função de Maria no projecto salvífico e a realidade da dor e do sofrimento do homem.
O sesquicentenário das aparições em Lourdes convida-nos a dirigir o olhar para a Virgem Santa, cuja Imaculada Conceição constitui o dom sublime e gratuito de Deus a uma mulher, para que pudesse aderir plenamente aos desígnios divinos com fé firme e inabalável, apesar das provações e dos sofrimentos que teria de suportar. Por isso, Maria é modelo de abandono total à vontade de Deus: acolheu no seu coração o Verbo eterno e concebeu-o no seu seio virginal; confiou em Deus e, com a alma trespassada pela espada da dor (cf. Lc 2, 35), não hesitou em compartilhar a paixão do seu Filho, renovando no Calvário aos pés da Cruz o "sim" da Anunciação. Meditar sobre a Imaculada Conceição de Maria é, por conseguinte, deixar-se atrair pelo "sim" que a uniu admiravelmente à missão de Cristo, Redentor da humanidade; é deixar-se arrebatar e orientar pela mão dela, para pronunciar por sua vez o "fiat" à vontade de Deus com toda a existência impregnada de alegrias e tristezas, de esperanças e desilusões, na consciência de que as provações, a dor e o sofrimento tornam rica de sentido a nossa peregrinação na terra.
2. Não se pode contemplar Maria, sem ser atraído por Cristo e não se pode contemplar Cristo sem sentir imediatamente a presença de Maria. Existe um laço inseparável entre a Mãe e o Filho gerado no seu seio, por obra do Espírito Santo, e sentimos este vínculo de maneira misteriosa no Sacramento da Eucaristia, como os Padres da Igreja e os teólogos evidenciaram desde os primeiros séculos. "A carne que nasceu de Maria, tendo vindo do Espírito Santo, é o pão descido do céu", afirma Santo Hilário de Poitiers, enquanto no Sacramentário Bergomense, do séc. IX, lemos: "O seu seio fez florescer um fruto, um pão que nos cumulou de um dom angélico. Maria restituiu à salvação aquilo que Eva tinha destruído com a sua culpa". Sucessivamente, São Pier Damiani observa: "Aquele corpo que a Beatíssima Virgem gerou e alimentou no seu seio com cuidado maternal, sem dúvida aquele corpo e não outro, agora recebemo-lo do altar sagrado, e bebemos o seu sangue como sacramento da nossa redenção. É isto que professa a fé católica, é isto que ensina fielmente a santa Igreja". O vínculo da Santa Virgem com o Filho, Cordeiro imolado que tira os pecados do mundo, estende-se à Igreja, Corpo místico de Cristo. Maria recorda o Servo de Deus João Paulo II é "mulher eucarística" com toda a sua vida, pelo que a Igreja, vendo-a como seu modelo, "é chamada a imitá-la também na sua relação com este Mistério santíssimo" (Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia, 53). Nesta perspectiva, compreende-se ainda mais por que em Lourdes, ao culto da Bem-Aventurada Virgem Maria, se une uma forte e constante evocação à Eucaristia, com Celebrações eucarísticas quotidianas, com a adoração do Santíssimo Sacramento e com a bênção dos enfermos, que constitui um dos momentos mais fortes da passagem dos peregrinos pela gruta de Massabielle. A presença em Lourdes de numerosos peregrinos enfermos e de voluntários que os acompanham ajuda a reflectir sobre o cuidado maternal e terno que a Virgem manifesta diante da dor e dos sofrimentos do homem. Associada ao Sacrifício de Cristo, Maria Mater Dolorosa, que aos pés da Cruz sofre com o seu Filho divino, é sentida particularmente próxima da comunidade cristã que se reúne à volta dos seus membros sofredores, que trazem em si os sinais da paixão do Senhor. Maria sofre juntamente com aqueles que vivem na provação, com eles espera e representa o seu conforto, sustentando-os com a sua ajuda materna. E não é porventura verdade que a experiência espiritual de numerosos enfermos impele a compreender cada vez mais que "o Redentor divino quer penetrar na alma de todas as pessoas que sofrem, através do Coração da sua Mãe Santíssima, primícias e vértice de todos os redimidos" (João Paulo II, Carta Apostólica Salvifici doloris, 26)?
3. Se Lourdes nos leva a meditar sobre o amor materno da Virgem Imaculada pelos seus filhos doentes e sofredores, o próximo Encontro eucarístico internacional será uma ocasião para adorarmos Jesus Cristo presente no Sacramento do altar, para nos confiarmos a Ele como a Esperança que não engana, acolhendo-O como remédio da imortalidade que cura o físico e o espírito. Jesus Cristo redimiu o mundo com o seu sofrimento, com a sua morte e com a sua ressurreição, e desejou permanecer connosco como "pão de vida" na nossa peregrinação terrestre. "A Eucaristia, dom de Deus para a vida do mundo": este é o tema do Congresso Eucarístico, que põe em evidência o facto de que a Eucaristia é a dádiva que o Pai oferece ao mundo, do seu Filho único, encarnado e crucificado. É Ele que nos reúne em volta da mesa eucarística, suscitando nos seus discípulos uma atenção amorosa pelos sofredores e pelos enfermos, em quem a comunidade cristã reconhece o rosto do seu Senhor. Como relevei na Exortação Apostólica pós-sinodal Sacramentum caritatis, "quando celebram a Eucaristia, as nossas comunidades devem ter cada vez mais consciência de que o sacrifício de Cristo é por todos; assim, a Eucaristia impele todo o que nele acredita a fazer-se "pão repartido" para os outros" (n. 88). Deste modo, somos animados a comprometer-nos pessoalmente no serviço aos irmãos, de maneira especial aos que estão em dificuldade, uma vez que a vocação de cada cristão consiste na verdade em ser, juntamente com Jesus, pão repartido para a vida do mundo.
4. Por conseguinte, parece claro que precisamente da Eucaristia a pastoral no campo da saúde deve haurir a força espiritual necessária para socorrer com eficácia o homem e ajudá-lo a compreender o valor salvífico da sua própria salvação. Como pôde escrever o Servo de Deus João Paulo II, na mencionada Carta Apostólica Salvifici doloris, a Igreja vê nos irmãos e nas irmãs que sofrem, como que múltiplos sujeitos da força sobrenatural de Cristo (cf. n. 27). Unido misteriosamente a Cristo, o homem que sofre com amor e com abandono dócil à vontade divina torna-se oferenda viva pela salvação do mundo. O meu amado Predecessor afirmava ainda que "quanto mais o homem se vê ameaçado pelo pecado, quanto mais se apresentam pesadas as estruturas do pecado, que comporta o mundo de hoje, maior é a eloquência que o sofrimento encerra em si mesmo, e tanto mais a Igreja sente a necessidade de recorrer ao valor dos sofrimentos humanos para a salvação do mundo" (Ibid., n. 27). Portanto, se em Québec se contempla o mistério da Eucaristia, dom de Deus para a vida do mundo, no Dia Mundial do Doente, num paralelismo espiritual ideal, não apenas é celebrada a participação concreta do sofrimento humano na obra salvífica de Deus, mas dele podem ser usufruídos, num certo sentido, os preciosos frutos prometidos àqueles que acreditarem. Deste modo a dor, acolhida com fé, torna-se a porta através da qual entrar no mistério do sofrimento redentor de Jesus, para alcançar juntamente com Ele a paz e a felicidade da sua Ressurreição.
5. Enquanto dirijo a minha saudação cordial a todos os enfermos e a quantos cuidam deles de diversas maneiras, convido as comunidades diocesanas e paroquiais a celebrarem o próximo Dia Mundial do Doente, valorizando plenamente a feliz coincidência entre o sesquicentenário das aparições de Nossa Senhora em Lourdes e o Congresso Eucarístico Internacional. Que ele seja uma ocasião para sublinhar a importância da Santa Missa, da Adoração eucarística e do culto da Eucaristia, fazendo com que as Capelas dos Centros de assistência à saúde se tornem o coração pulsante em que Cristo se oferece incessantemente ao Pai pela vida da humanidade. Também a distribuição da Eucaristia aos enfermos, feita com decoro e com espírito de oração, constitui um verdadeiro conforto para quem sofre, angustiado por todas as formas de enfermidade.
Além disso, o próximo Dia Mundial do Doente seja uma circunstância propícia para invocar, de forma especial, a protecção maternal de Maria sobre quantos são provados pela doença, sobre os agentes que trabalham no sector da assistência médica e sobre aqueles que desempenham funções no campo da pastoral da saúde. Penso, de modo particular, nos sacerdotes comprometidos neste campo, nas religiosas e nos religiosos, nos voluntários e em todos aqueles que se preocupam com dedicação efectiva em servir, no corpo e na alma, os enfermos e os necessitados.

Confio todos a Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, Imaculada Conceição. Que Ela ajude cada um a dar testemunho de que a única resposta válida à dor e ao sofrimento humano é Cristo que, ressuscitando, venceu a morte e nos deu a vida que não conhece ocaso. Com estes sentimentos, é de coração que concedo a todos vós uma especial Bênção Apostólica.
Vaticano, 11 de Janeiro de 2008.
BENEDICTUS PP. XVI

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