terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

"A alegria do Evangelho"

Exortação Apostólica do Papa Francisco,
"A alegria do Evangelho"

ENCONTRO

O documento nasce de uma reflexão sobre “a nova evangelização para a transmissão da fé cristã”, portanto, sobre o anúncio do Evangelho hoje. Mas o Papa destaca que tal anúncio só é possível quando surge de um encontro: “Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’”. (n. 7). Esse é o “manancial da ação evangelizadora”, segundo o Papa Francisco. “Se alguém acolheu esse amor que lhe devolve o sentido da vida, como pode conter o desejo de comunicá-lo aos outros?” (n. 8).
Portanto, seja na sua origem, seja também no seu desdobrar-se, a ação evangelizadora mantém seu vigor nesse encontro: não se trata de uma “heroica tarefa pessoal”, ou seja, solitária, mas sim de uma “obra de Deus”, um anúncio que nasce e se mantém como encontro com esse grande “Outro”. “Jesus é ‘o primeiro e o maior evangelizador’. Em qualquer forma de evangelização, o primado é sempre de Deus” (n. 12). E Deus é sempre um “Outro” que nos surpreende, que se manifesta pela “liberdade incontrolável da Palavra, que é eficaz a seu modo e sob formas tão variadas que muitas vezes nos escapam, superando as nossas previsões e quebrando os nossos esquemas” (n. 22).
Por outro lado, o anúncio do Evangelho se faz sempre no encontro com os diversos “outros”, pois, de acordo com o papa, todo o povo de Deus anuncia o Evangelho. O papa Francisco deseja uma “Igreja ‘em saída’”, que vá ao encontro dos diversos “outros”, pois “ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus nos atrai, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe” (n. 113).
Dentro dessa trama de relações, três “outros” principais ganham seu destaque no horizonte de Francisco expresso na Evangelii gaudium. Em primeiro lugar, pobre. Diz o papa: “Hoje e sempre, ‘os pobres são os destinatários privilegiados do Evangelho’, e a evangelização dirigida gratuitamente a eles é sinal do Reino que Jesus veio trazer. Há que afirmar sem rodeios que existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres. Não os deixemos jamais sozinhos!” (n. 48). “Por isso – continua o papa, repetindo sua frase já célebre  –, desejo uma Igreja pobre para os pobres. Estes têm muito para nos ensinar” (n. 198). Embora nem sempre os cristãos conseguem manifestar a beleza do Evangelho, “há um sinal que nunca deve faltar: a opção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descarta e joga fora” (n. 195). E mais: “É necessário que todos nos deixemos evangelizar por eles. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja” (n. 198).

DIÁLOGO

Para Francisco, o diálogo “é muito mais do que a comunicação de uma verdade. Realiza-se pelo prazer de falar e pelo bem concreto que se comunica através das palavras entre aqueles que se amam. É um bem que não consiste em coisas, mas nas próprias pessoas que mutuamente se dão no diálogo” (n. 142). Por isso, em um anúncio “respeitoso e amável” do Evangelho, o papa afirma que “o primeiro momento é um diálogo pessoal, no qual a outra pessoa se exprime e partilha as suas alegrias, as suas esperanças, as preocupações com os seus entes queridos e muitas coisas que enchem o coração. Só depois dessa conversa é que se pode apresentar-lhe a Palavra” (n. 128).
Francisco também destaca duas grandes modalidades de diálogo. Um primeiro diálogo necessário é intraeclesial. Como exemplo concreto e até mesmo litúrgico, o papa faz uma longa reflexão sobre a homilia (nn. 135-159), que é justamente uma retomada do “diálogo que já está estabelecido entre o Senhor e o seu povo” (n. 137). Para o papa, a pregação de todo discípulo missionário deve partir primeiramente da vivência pessoal de diálogo com o Senhor: “Quem quiser pregar, deve primeiro estar disposto a deixar-se tocar pela Palavra e fazê-la carne na sua vida concreta” (n. 150).
E também é preciso preparação, pois “um pregador que não se prepara não é ‘espiritual’: é desonesto e irresponsável quanto aos dons que recebeu” (n. 145). Essa preparação começa na escuta. A “arte de escutar (...) é mais do que ouvir. Escutar, na comunicação com o outro, é a capacidade do coração que torna possível a proximidade, sem a qual não existe um verdadeiro encontro espiritual” (n. 171). Por isso, o pregador deve pôr-se à escuta do povo, para descobrir aquilo que os fiéis precisam de ouvir. “Um pregador é um contemplativo da Palavra e também um contemplativo do povo” (n. 154).
Outro diálogo essencial é extraeclesial, pois “o compromisso evangelizador se move por entre as limitações da linguagem e das circunstâncias” (n 45). “Nos diferentes povos, que experimentam o dom de Deus segundo a própria cultura – afirma Francisco  –, a Igreja exprime a sua genuína catolicidade e mostra ‘a beleza deste rosto pluriforme’” (n. 116). A cultura e os diferentes povos, portanto, como um grande interlocutor da comunidade cristã, também “são sujeitos coletivos ativos, agentes da evangelização” (n. 122).
Nesse sentido, a diversidade cultural é um dom e “não ameaça a unidade da Igreja” (n. 117), pois “uma única cultura não esgota o mistério da redenção de Cristo” (n. 118). Por isso, Francisco critica aqueles que “sonham com uma doutrina monolítica defendida sem nuances por todos”, pois a variedade “ajuda a manifestar e desenvolver melhor os diversos aspectos da riqueza inesgotável do Evangelho” (n. 40). “A expressão da verdade pode ser multiforme”, relembra Francisco, citando João Paulo II. “Não podemos pretender que todos os povos dos vários continentes, ao exprimir a fé cristã, imitem as modalidades adotadas pelos povos europeus num determinado momento da história, porque a fé não se pode confinar dentro dos limites de compreensão e expressão de uma cultura” (n. 118). Daí a importância da evangelização entendida como inculturação: “Pode-se dizer que ‘o povo se evangeliza continuamente a si mesmo’” (n. 122).
Em suma, Francisco quer uma Igreja “em saída”, uma Igreja com as portas abertas: “A Igreja é chamada a ser sempre a casa aberta do Pai. Um dos sinais concretos desta abertura é ter, por todo o lado, igrejas com as portas abertas” (n. 47), abertas aos diversos “outros” do mundo. E a verdadeira abertura, segundo o papa, é “conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas ‘disponível para compreender as do outro’ e ‘sabendo que o diálogo pode enriquecer a ambos’” (n. 251).

ANÚNCIO

Para além do encontro e do diálogo, os cristãos têm o dever de anunciar o Evangelho “sem excluir ninguém, e não como quem impõe uma nova obrigação, mas como quem partilha uma alegria, indica um horizonte estupendo, oferece um banquete apetecível. A Igreja não cresce por proselitismo, mas ‘por atração’” (n. 14). Por outro lado, também, “todos devemos deixar que os outros nos evangelizem constantemente” (n. 121), pois “a Igreja não evangeliza se não se deixa continuamente evangelizar” (n. 174).
E evangelizar é “tornar o Reino de Deus presente no mundo” (n. 176), é “amar a Deus, que reina no mundo” (n. 180).
Nesse sentido, do ponto de vista da evangelização, afirma Francisco, “não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração” (n. 262). O anúncio do Evangelho leva ao “amor fraterno, ao serviço humilde e generoso, à justiça, à misericórdia para com o pobre” (n. 194), como Jesus ensinou. “Na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos. Por isso, tanto o anúncio como a experiência cristã tendem a provocar consequências sociais” (n. 180).
O anúncio, portanto, por assim dizer, deve ser encarnado, pois “as obras de amor ao próximo são a manifestação externa mais perfeita da graça interior do Espírito”. E, com relação ao agir exterior, “a misericórdia é a maior de todas as virtudes” (n. 37).
Depois de delinear, enfim, um horizonte bastante amplo da ação evangelizadora da Igreja, o papa reconhece os limites e os riscos possíveis ao se tentar encarnar o “estilo evangelizador” (n. 18) em todas as atividades da Igreja. Mas Francisco não aceita desculpas esfarrapadas diante dos desafios da evangelização: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘sempre se fez assim’” (n. 33). “A nossa imperfeição não deve ser desculpa; pelo contrário, a missão é um estímulo constante para não nos acomodarmos na mediocridade e para continuar crescendo” (n. 121). “Não digamos que hoje é mais difícil. É diferente” (n. 263).
Também é preciso abandonar os sonhos com “planos apostólicos expansionistas, meticulosos e bem traçados, típicos de generais derrotados” (n. 96). O importante é tentar, é o que o papa parece dizer. “Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças” (n. 49).
E a própria história de Igreja “é gloriosa por ser história de sacrifícios, de esperança, de luta diária, de vida gasta no serviço, de constância no trabalho fadigoso, porque todo o trabalho é ‘suor do nosso rosto’” (n. 96). Por isso, a ação evangelizadora, na sua tensão encontro-diálogo-anúncio, é tentativa: “O abrir-se ao outro tem algo de artesanal, a paz é artesanal” (n. 244). Entretanto, “se eu consigo ajudar uma só pessoa a viver melhor, isso já justifica o dom da minha vida” (n. 274).
No fundo, o verdadeiro sonho de Francisco é “com uma opção missionária capaz de transformar tudo, para que os costumes, os estilos, os horários, a linguagem e toda a estrutura eclesial se tornem um canal adequado para a evangelização do mundo atual mais do que à auto preservação” (n. 27). Para isso, é preciso “acreditar na força revolucionária da ternura e do afeto” (n. 288), como fez Maria, “Mãe da Igreja evangelizadora”, que soube até “transformar um curral de animais na casa de Jesus” (n. 286). Mas essa força não surge por causa dos nossos esforços pessoais. Essa força vem do Espírito Santo: só ele pode “renovar, sacudir, impelir a Igreja em uma decidida saída para fora de si mesma a fim de evangelizar todos os povos” (n. 261).


sábado, 8 de fevereiro de 2014

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2014

Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma 2014
Terça-feira, 4 de fevereiro de 2014
Boletim da Santa Sé
Fez-Se pobre, para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9)
Queridos irmãos e irmãs!
Por ocasião da Quaresma, ofereço-vos algumas reflexões com a esperança de que possam servir para o caminho pessoal e comunitário de conversão. Como motivo inspirador tomei a seguinte frase de São Paulo: « Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo, que, sendo rico, Se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza » (2 Cor 8,9). O Apóstolo escreve aos cristãos de Corinto encorajando-os a serem generosos na ajuda aos fiéis de Jerusalém que passam necessidade. A nós, cristãos de hoje, que nos dizem estas palavras de São Paulo? Que nos diz, hoje, a nós, o convite à pobreza, a uma vida pobre em sentido evangélico?
1. A graça de Cristo
Tais palavras dizem-nos, antes de mais nada, qual é o estilo de Deus. Deus não Se revela através dos meios do poder e da riqueza do mundo, mas com os da fragilidade e da pobreza: « sendo rico, Se fez pobre por vós ». Cristo, o Filho eterno de Deus, igual ao Pai em poder e glória, fez-Se pobre; desceu ao nosso meio, aproximou-Se de cada um de nós; despojou-Se, « esvaziou-Se », para Se tornar em tudo semelhante a nós (cf. Fil 2,7; Heb 4,15). A encarnação de Deus é um grande mistério. Mas, a razão de tudo isso é o amor divino: um amor que é graça, generosidade, desejo de proximidade, não hesitando em doar-Se e sacrificar-Se pelas suas amadas criaturas. A caridade, o amor é partilhar, em tudo, a sorte do amado. O amor torna semelhante, cria igualdade, abate os muros e as distâncias. Foi o que Deus fez connosco. Na realidade, Jesus « trabalhou com mãos humanas, pensou com uma inteligência humana, agiu com uma vontade humana, amou com um coração humano. Nascido da Virgem Maria, tornou-Se verdadeiramente um de nós, semelhante a nós em tudo, excepto no pecado » (ConC. ECum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 22).
A finalidade de Jesus Se fazer pobre não foi a pobreza em si mesma, mas – como diz São Paulo – « para vos enriquecer com a sua pobreza ». Não se trata dum jogo de palavras, duma frase sensacional. Pelo contrário, é uma síntese da lógica de Deus: a lógica do amor, a lógica da Encarnação e da Cruz. Deus não fez cair do alto a salvação sobre nós, como a esmola de quem dá parte do próprio supérfluo com piedade filantrópica. Não é assim o amor de Cristo! Quando Jesus desce às águas do Jordão e pede a João Baptista para O baptizar, não o faz porque tem necessidade de penitência, de conversão; mas fá-lo para se colocar no meio do povo necessitado de perdão, no meio de nós pecadores, e carregar sobre Si o peso dos nossos pecados. Este foi o caminho que Ele escolheu para nos consolar, salvar, libertar da nossa miséria. Faz impressão ouvir o Apóstolo dizer que fomos libertados, não por meio da riqueza de Cristo, mas por meio da sua pobreza. E todavia São Paulo conhece bem a « insondável riqueza de Cristo » (Ef 3,8), « herdeiro de todas as coisas » (Heb 1,2).
Em que consiste então esta pobreza com a qual Jesus nos liberta e torna ricos? É precisamente o seu modo de nos amar, o seu aproximar-Se de nós como fez o Bom Samaritano com o homem abandonado meio morto na berma da estrada (cf. Lc 10,25-37). Aquilo que nos dá verdadeira liberdade, verdadeira salvação e verdadeira felicidade é o seu amor de compaixão, de ternura e de partilha. A pobreza de Cristo, que nos enriquece, é Ele fazer-Se carne, tomar sobre Si as nossas fraquezas, os nossos pecados, comunicando-nos a misericórdia infinita de Deus. A pobreza de Cristo é a maior riqueza: Jesus é rico de confiança ilimitada em Deus Pai, confiando-Se a Ele em todo o momento, procurando sempre e apenas a sua vontade e a sua glória. É rico como o é uma criança que se sente amada e ama os seus pais, não duvidando um momento sequer do seu amor e da sua ternura. A riqueza de Jesus é Ele ser o Filho: a sua relação única com o Pai é a prerrogativa soberana deste Messias pobre. Quando Jesus nos convida a tomar sobre nós o seu « jugo suave » (cf. Mt 11,30), convida-nos a enriquecer-nos com esta sua « rica pobreza » e « pobre riqueza », a partilhar com Ele o seu Espírito filial e fraterno, a tornar-nos filhos no Filho, irmãos no Irmão Primogénito (cf. Rm 8,29).
Foi dito que a única verdadeira tristeza é não ser santos (Léon Bloy); poder-se-ia dizer também que só há uma verdadeira miséria: é não viver como filhos de Deus e irmãos de Cristo.
2. O nosso testemunho
Poderíamos pensar que este « caminho » da pobreza fora o de Jesus, mas não o nosso: nós, que viemos depois d’Ele, podemos salvar o mundo com meios humanos adequados. Isto não é verdade. Em cada época e lugar, Deus continua a salvar os homens e o mundo por meio da pobreza de Cristo, que Se faz pobre nos Sacramentos, na Palavra e na sua Igreja, que é um povo de pobres. A riqueza de Deus não pode passar através da nossa riqueza, mas sempre e apenas através da nossa pobreza, pessoal e comunitária, animada pelo Espírito de Cristo.
À imitação do nosso Mestre, nós, cristãos, somos chamados a ver as misérias dos irmãos, a tocá-las, a ocupar-nos delas e a trabalhar concretamente para as aliviar. A miséria não coincide com a pobreza; a miséria é a pobreza sem confiança, sem solidariedade, sem esperança. Podemos distinguir três tipos de miséria: a miséria material, a miséria moral e a miséria espiritual. A miséria material é a que habitualmente designamos por pobreza e atinge todos aqueles que vivem numa condição indigna da pessoa humana: privados dos direitos fundamentais e dos bens de primeira necessidade como o alimento, a água, as condições higiénicas, o trabalho, a possibilidade de progresso e de crescimento cultural. Perante esta miséria, a Igreja oferece o seu serviço, a sua diakonia, para ir ao encontro das necessidades e curar estas chagas que deturpam o rosto da humanidade. Nos pobres e nos últimos, vemos o rosto de Cristo; amando e ajudando os pobres, amamos e servimos Cristo. O nosso compromisso orienta-se também para fazer com que cessem no mundo as violações da dignidade humana, as discriminações e os abusos, que, em muitos casos, estão na origem da miséria. Quando o poder, o luxo e o dinheiro se tornam ídolos, acabam por se antepor à exigência duma distribuição equitativa das riquezas. Portanto, é necessário que as consciências se convertam à justiça, à igualdade, à sobriedade e à partilha.
Não menos preocupante é a miséria moral, que consiste em tornar-se escravo do vício e do pecado. Quantas famílias vivem na angústia, porque algum dos seus membros – frequentemente jovem – se deixou subjugar pelo álcool, pela droga, pelo jogo, pela pornografia! Quantas pessoas perderam o sentido da vida; sem perspectivas de futuro, perderam a esperança! E quantas pessoas se vêem constrangidas a tal miséria por condições sociais injustas, por falta de trabalho que as priva da dignidade de poderem trazer o pão para casa, por falta de igualdade nos direitos à educação e à saúde. Nestes casos, a miséria moral pode-se justamente chamar um suicídio incipiente. Esta forma de miséria, que é causa também de ruína económica, anda sempre associada com a miséria espiritual, que nos atinge quando nos afastamos de Deus e recusamos o seu amor. Se julgamos não ter necessidade de Deus, que em Cristo nos dá a mão, porque nos consideramos auto-suficientes, vamos a caminho da falência. O único que verdadeiramente salva e liberta é Deus.
O Evangelho é o verdadeiro antídoto contra a miséria espiritual: o cristão é chamado a levar a todo o ambiente o anúncio libertador de que existe o perdão do mal cometido, de que Deus é maior que o nosso pecado e nos ama gratuitamente e sempre, e de que estamos feitos para a comunhão e a vida eterna. O Senhor convida-nos a sermos jubilosos anunciadores desta mensagem de misericórdia e esperança. É bom experimentar a alegria de difundir esta boa nova, partilhar o tesouro que nos foi confiado para consolar os corações dilacerados e dar esperança a tantos irmãos e irmãs imersos na escuridão. Trata-se de seguir e imitar Jesus, que foi ao encontro dos pobres e dos pecadores como o pastor à procura da ovelha perdida, e fê-lo cheio de amor. Unidos a Ele, podemos corajosamente abrir novas vias de evangelização e promoção humana.
Queridos irmãos e irmãs, possa este tempo de Quaresma encontrar a Igreja inteira pronta e solícita para testemunhar, a quantos vivem na miséria material, moral e espiritual, a mensagem evangélica, que se resume no anúncio do amor do Pai misericordioso, pronto a abraçar em Cristo toda a pessoa. E poderemos fazê-lo na medida em que estivermos configurados com Cristo, que Se fez pobre e nos enriqueceu com a sua pobreza. A Quaresma é um tempo propício para o despojamento; e far-nos-á bem questionar-nos acerca do que nos podemos privar a fim de ajudar e enriquecer a outros com a nossa pobreza. Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói.
Pedimos a graça do Espírito Santo que nos permita ser « tidos por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo » (2 Cor 6,10). Que Ele sustente estes nossos propósitos e reforce em nós a atenção e solicitude pela miséria humana, para nos tornarmos misericordiosos e agentes de misericórdia. Com estes votos, asseguro a minha oração para que cada crente e cada comunidade eclesial percorra frutuosamente o itinerário quaresmal, e peço-vos que rezeis por mim. Que o Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos guarde!
Vaticano, 26 de Dezembro de 2013
Festa de Santo Estêvão, diácono e protomártir
PAPA FRANCISCUS

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

ORAÇÃO ÀS CINCO CHAGAS DE JESUS

Oracao as Cinco Chagas de Cristo Document Transcript

1.    ORAÇÃO ÀS CINCO CHAGAS DE JESUS Festa Litúrgica das Cinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo 07 de Fevereiro

2. V. Deus, vinde em nosso auxílio. R. Senhor, socorrei-nos e salvai-nos. V. Glória ao pai, ao Filho e ao Espírito Santo. R. Como era no princípio, agora e sempre. Ámen. À Chaga da Mão direita: Amabilíssimo meu Senhor, Jesus Crucificado: Adoro, profundamente prostrado, unido a Maria Santíssima, com todos os Anjos e Santos do Céu, a chaga Sacratíssima da Vossa Mão direita. Peço-Vos a graça de concederdes à Igreja vitória sobre os seus inimigos e que todos os seus filhos vivam santamente. Pai Nosso Avé Maria Glória Jaculatória: Mãe da Igreja, rogai por nós e intercedei pelo Santo Padre e pela Santa Igreja. À Chaga da Mão esquerda: Amabilíssimo meu Senhor, Jesus Crucificado: Adoro, profundamente prostrado, unido a Maria Santíssima, com todos os Anjos e Santos do Céu, a chaga Sacratíssima da Vossa Mão esquerda. Peço-Vos a graça da conversão de todos os pecadores e misericórdia para os agonizantes, especialmente para aqueles que não querem reconciliar-se convosco. Pai Nosso Avé Maria Glória Jaculatória: Ó meu Jesus, perdoai-nos e livrai-nos do fogo o Inferno; levai para o Céu todas as almas, e socorrei principalmente as que mais precisarem.

3. À Chaga do Pé direito: Amabilíssimo meu Senhor, Jesus Crucificado: Adoro, profundamente prostrado, unido a Maria Santíssima, com todos os Anjos e Santos do Céu, a chaga Sacratíssima do Vosso Pé esquerdo. Peço-Vos a graça da santificação do Clero e de todos os que a Vós se consagraram. Pai Nosso Avé Maria Glória Jaculatória: Ó Maria, Rainha dos Apóstolos: rogai por nós, santificai os Sacerdotes e intercedei por todos os Consagrados. À Chaga do Pé esquerdo: Amabilíssimo meu Senhor, Jesus Crucificado: Adoro, profundamente prostrado, unido a Maria Santíssima, com todos os Anjos e Santos do Céu, a chaga Sacratíssima do Vosso Pé esquerdo. Peço-Vos pelo alívio das almas do Purgatório, em especial das mais abandonadas, que não têm ninguém que se lembre e peça por elas. Pai Nosso Avé Maria Glória Jaculatória: Dai-lhes, Senhor o eterno descanso, nos esplendores da Luz perpétua. Que descansem em paz. Ámen. Mãe de Misericórdia, rogai por nós. À Chaga do Santo Lado: Amabilíssimo meu Senhor, Jesus Crucificado: Adoro, profundamente prostrado, unido a Maria Santíssima, com todos os Anjos e Santos do Céu, a chaga Sacratíssima do Vosso Santo Lado Peço-Vos que Vos digneis ouvir e atender as preces daqueles se confiaram às minhas orações e apresento diante do Vosso peito aberto pela lança as minhas intenções pessoais: Pai Nosso Avé Maria Glória Jaculatória: Jesus, eu confio em Vós (3x)

4. Virgem Clemente, rogai por nós; Virgem Fiel, rogai por nós; Virgem Dolorosa, rogai por nós. ORAÇÃO FINAL: Ó Jesus, eu Vos louvo e dou graças por terdes suportado tantos e tão atrozes sofrimentos, para expiar os meus pecados e os do mundo inteiro. Peço-Vos que, pelos méritos da Vossa Paixão e pelas Vossas Cinco Chagas, possa viver rectamente e detestar o pecado. Concedei-me também a graça de, no fim da vida, morrer santamente, com o conforto dos Sacramentos da Vossa Igreja e viver eternamente convosco na glória do Céu. Ámen.


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO AOS JOVENS

MENSAGEM
Mensagem do Papa Francisco para a 29ª Jornada Mundial da Juventude (13 de abril de 2014)
Quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
Boletim da Santa Sé
Confira a seguir a mensagem do Papa Francisco para a 29ª Jornada Mundial da Juventude, que será realizada em 13 de abril de 2014, Domingo de Ramos, em nível diocesano.
“Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu” (Mt 5, 3)

Queridos jovens,
Permanece gravado na minha memória o encontro extraordinário que vivemos no Rio de Janeiro, na XXVIII Jornada Mundial da Juventude: uma grande festa da fé e da fraternidade. A boa gente brasileira acolheu-nos de braços escancarados, como a estátua de Cristo Redentor que domina, do alto do Corcovado, o magnífico cenário da praia de Copacabana. Nas margens do mar, Jesus fez ouvir de novo a sua chamada para que cada um de nós se torne seu discípulo missionário, O descubra como o tesouro mais precioso da própria vida e partilhe esta riqueza com os outros, próximos e distantes, até às extremas periferias geográficas e existenciais do nosso tempo.
A próxima etapa da peregrinação intercontinental dos jovens será em Cracóvia, em 2016. Para cadenciar o nosso caminho, gostaria nos próximos três anos de reflectir, juntamente convosco, sobre as Bem-aventuranças que lemos no Evangelho de São Mateus (5, 1-12). Começaremos este ano meditando sobre a primeira: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3); para 2015, proponho: «Felizes os puros de coração, porque verão a Deus» (Mt 5, 8); e finalmente, em 2016, o tema será: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).
1. A força revolucionária das Bem-aventuranças
É-nos sempre muito útil ler e meditar as Bem-aventuranças! Jesus proclamou-as no seu primeiro grande sermão, feito na margem do lago da Galileia. Havia uma multidão imensa e Ele, para ensinar os seus discípulos, subiu a um monte; por isso é chamado o «sermão da montanha». Na Bíblia, o monte é visto como lugar onde Deus Se revela; pregando sobre o monte, Jesus apresenta-Se como mestre divino, como novo Moisés. E que prega Ele? Jesus prega o caminho da vida; aquele caminho que Ele mesmo percorre, ou melhor, que é Ele mesmo, e propõe-no como caminho da verdadeira felicidade. Em toda a sua vida, desde o nascimento na gruta de Belém até à morte na cruz e à ressurreição, Jesus encarnou as Bem-aventuranças. Todas as promessas do Reino de Deus se cumpriram n’Ele.
Ao proclamar as Bem-aventuranças, Jesus convida-nos a segui-Lo, a percorrer com Ele o caminho do amor, o único que conduz à vida eterna. Não é uma estrada fácil, mas o Senhor assegura-nos a sua graça e nunca nos deixa sozinhos. Na nossa vida, há pobreza, aflições, humilhações, luta pela justiça, esforço da conversão quotidiana, combates para viver a vocação à santidade, perseguições e muitos outros desafios. Mas, se abrirmos a porta a Jesus, se deixarmos que Ele esteja dentro da nossa história, se partilharmos com Ele as alegrias e os sofrimentos, experimentaremos uma paz e uma alegria que só Deus, amor infinito, pode dar.
As Bem-aventuranças de Jesus são portadoras duma novidade revolucionária, dum modelo de felicidade oposto àquele que habitualmente é transmitido pelos mass media, pelo pensamento dominante. Para a mentalidade do mundo, é um escândalo que Deus tenha vindo para Se fazer um de nós, que tenha morrido numa cruz. Na lógica deste mundo, aqueles que Jesus proclama felizes são considerados «perdedores», fracos. Ao invés, exalta-se o sucesso a todo o custo, o bem-estar, a arrogância do poder, a afirmação própria em detrimento dos outros.
Queridos jovens, Jesus interpela-nos para que respondamos à sua proposta de vida, para que decidamos qual estrada queremos seguir a fim de chegar à verdadeira alegria. Trata-se dum grande desafio de fé. Jesus não teve medo de perguntar aos seus discípulos se verdadeiramente queriam segui-Lo ou preferiam ir por outros caminhos (cf. Jo 6, 67). E Simão, denominado Pedro, teve a coragem de responder: «A quem iremos nós, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Se souberdes, vós também, dizer «sim» a Jesus, a vossa vida jovem encher-se-á de significado, e assim será fecunda.
2. A coragem da felicidade
O termo grego usado no Evangelho é makarioi, «bem-aventurados». E «bem-aventurados» quer dizer felizes. Mas dizei-me: vós aspirais deveras à felicidade? Num tempo em que se é atraído por tantas aparências de felicidade, corre-se o risco de contentar-se com pouco, com uma ideia «pequena» da vida. Vós, pelo contrário, aspirai a coisas grandes! Ampliai os vossos corações! Como dizia o Beato Pierjorge Frassati, «viver sem uma fé, sem um património a defender, sem sustentar numa luta contínua a verdade, não é viver, mas ir vivendo. Não devemos jamais ir vivendo, mas viver» (Carta a I. Bonini, 27 de Fevereiro de 1925). Em 20 de Maio de 1990, no dia da sua beatificação, João Paulo II chamou-lhe «homem das Bem-aventuranças» (Homilia na Santa Missa: AAS 82 [1990], 1518).
Se verdadeiramente fizerdes emergir as aspirações mais profundas do vosso coração, dar-vos-eis conta de que, em vós, há um desejo inextinguível de felicidade, e isto permitir-vos-á desmascarar e rejeitar as numerosas ofertas «a baixo preço» que encontrais ao vosso redor. Quando procuramos o sucesso, o prazer, a riqueza de modo egoísta e idolatrando-os, podemos experimentar também momentos de inebriamento, uma falsa sensação de satisfação; mas, no fim de contas, tornamo-nos escravos, nunca estamos satisfeitos, sentimo-nos impelidos a buscar sempre mais. É muito triste ver uma juventude «saciada», mas fraca.
Escrevendo aos jovens, São João dizia: «Vós sois fortes, a palavra de Deus permanece em vós e vós vencestes o Maligno» (1 Jo 2, 14). Os jovens que escolhem Cristo são fortes, nutrem-se da sua Palavra e não se «empanturram» com outras coisas. Tende a coragem de ir contra a corrente. Tende a coragem da verdadeira felicidade! Dizei não à cultura do provisório, da superficialidade e do descartável, que não vos considera capazes de assumir responsabilidades e enfrentar os grandes desafios da vida.
3. Felizes os pobres em espírito…
A primeira Bem-aventurança, tema da próxima Jornada Mundial da Juventude, declara felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu. Num tempo em que muitas pessoas penam por causa da crise económica, pode parecer inoportuno acostar pobreza e felicidade. Em que sentido podemos conceber a pobreza como uma bênção?
Em primeiro lugar, procuremos compreender o que significa «pobres em espírito». Quando o Filho de Deus Se fez homem, escolheu um caminho de pobreza, de despojamento. Como diz São Paulo, na Carta aos Filipenses: «Tende entre vós os mesmos sentimentos que estão em Cristo Jesus: Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-Se a Si mesmo, tomando a condição de servo e tornando-Se semelhante aos homens» (2, 5-7). Jesus é Deus que Se despoja da sua glória. Vemos aqui a escolha da pobreza feita por Deus: sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a sua pobreza (cf. 2 Cor 8, 9). É o mistério que contemplamos no presépio, vendo o Filho de Deus numa manjedoura; e mais tarde na cruz, onde o despojamento chega ao seu ápice.
O adjectivo grego ptochós (pobre) não tem um significado apenas material, mas quer dizer «mendigo». Há que o ligar com o conceito hebraico de anawim (os «pobres de Iahweh»), que evoca humildade, consciência dos próprios limites, da própria condição existencial de pobreza. Os anawim confiam no Senhor, sabem que dependem d’Ele.
Como justamente soube ver Santa Teresa do Menino Jesus, Cristo na sua Encarnação apresenta-Se como um mendigo, um necessitado em busca de amor. O Catecismo da Igreja Católica fala do homem como dum «mendigo de Deus» (n. 2559) e diz-nos que a oração é o encontro da sede de Deus com a nossa (n. 2560).
São Francisco de Assis compreendeu muito bem o segredo da Bem-aventurança dos pobres em espírito. De facto, quando Jesus lhe falou na pessoa do leproso e no Crucifixo, ele reconheceu a grandeza de Deus e a própria condição de humildade. Na sua oração, o Poverello passava horas e horas a perguntar ao Senhor: «Quem és Tu? Quem sou eu?» Despojou-se duma vida abastada e leviana, para desposar a «Senhora Pobreza», a fim de imitar Jesus e seguir o Evangelho à letra. Francisco viveu a imitação de Cristo pobre e o amor pelos pobres de modo indivisível, como as duas faces duma mesma moeda.
Posto isto, poder-me-íeis perguntar: Mas, em concreto, como é possível fazer com que esta pobreza em espírito se transforme em estilo de vida, incida concretamente na nossa existência? Respondo-vos em três pontos.
Antes de mais nada, procurai ser livres em relação às coisas. O Senhor chama-nos a um estilo de vida evangélico caracterizado pela sobriedade, chama-nos a não ceder à cultura do consumo. Trata-se de buscar a essencialidade, aprender a despojarmo-nos de tantas coisas supérfluas e inúteis que nos sufocam. Desprendamo-nos da ambição de possuir, do dinheiro idolatrado e depois esbanjado. No primeiro lugar, coloquemos Jesus. Ele pode libertar-nos das idolatrias que nos tornam escravos. Confiai em Deus, queridos jovens! Ele conhece-nos, ama-nos e nunca se esquece de nós. Como provê aos lírios do campo (cf. Mt 6, 28), também não deixará que nos falte nada! Mesmo para superar a crise económica, é preciso estar prontos a mudar o estilo de vida, a evitar tantos desperdícios. Como é necessária a coragem da felicidade, também é precisa a coragem da sobriedade.
Em segundo lugar, para viver esta Bem-aventurança todos necessitamos de conversão em relação aos pobres. Devemos cuidar deles, ser sensíveis às suas carências espirituais e materiais. A vós, jovens, confio de modo particular a tarefa de colocar a solidariedade no centro da cultura humana. Perante antigas e novas formas de pobreza – o desemprego, a emigração, muitas dependências dos mais variados tipos –, temos o dever de permanecer vigilantes e conscientes, vencendo a tentação da indiferença. Pensemos também naqueles que não se sentem amados, não olham com esperança o futuro, renunciam a comprometer-se na vida porque se sentem desanimados, desiludidos, temerosos. Devemos aprender a estar com os pobres. Não nos limitemos a pronunciar belas palavras sobre os pobres! Mas encontremo-los, fixemo-los olhos nos olhos, ouçamo-los. Para nós, os pobres são uma oportunidade concreta de encontrar o próprio Cristo, de tocar a sua carne sofredora.
Mas – e chegamos ao terceiro ponto – os pobres não são pessoas a quem podemos apenas dar qualquer coisa. Eles têm tanto para nos oferecer, para nos ensinar. Muito temos nós a aprender da sabedoria dos pobres! Pensai que um Santo do século XVIII, Bento José Labre – dormia pelas ruas de Roma e vivia das esmolas da gente –, tornara-se conselheiro espiritual de muitas pessoas, incluindo nobres e prelados. De certo modo, os pobres são uma espécie de mestres para nós. Ensinam-nos que uma pessoa não vale por aquilo que possui, pelo montante que tem na conta bancária. Um pobre, uma pessoa sem bens materiais, conserva sempre a sua dignidade. Os pobres podem ensinar-nos muito também sobre a humildade e a confiança em Deus. Na parábola do fariseu e do publicano (cf. Lc 18, 9-14), Jesus propõe este último como modelo, porque é humilde e se reconhece pecador. E a própria viúva, que lança duas moedinhas no tesouro do templo, é exemplo da generosidade de quem, mesmo tendo pouco ou nada, dá tudo (Lc 21, 1-4).
4. … porque deles é o Reino do Céu
Tema central no Evangelho de Jesus é o Reino de Deus. Jesus é o Reino de Deus em pessoa, é o Emanuel, Deus connosco. E é no coração do homem que se estabelece e cresce o Reino, o domínio de Deus. O Reino é, simultaneamente, dom e promessa. Já nos foi dado em Jesus, mas deve ainda realizar-se em plenitude. Por isso rezamos ao Pai cada dia: «Venha a nós o vosso Reino».
Há uma ligação profunda entre pobreza e evangelização, entre o tema da última Jornada Mundial da Juventude – «Ide e fazei discípulos entre todas as nações» (Mt 28, 19) – e o tema deste ano: «Felizes os pobres em espírito, porque deles é o Reino do Céu» (Mt 5, 3). O Senhor quer uma Igreja pobre, que evangelize os pobres. Jesus, quando enviou os Doze em missão, disse-lhes: «Não possuais ouro, nem prata, nem cobre, em vossos cintos; nem alforge para o caminho, nem duas túnicas, nem sandálias, nem cajado; pois o trabalhador merece o seu sustento» (Mt 10, 9-10). A pobreza evangélica é condição fundamental para que o Reino de Deus se estenda. As alegrias mais belas e espontâneas que vi ao longo da minha vida eram de pessoas pobres que tinham pouco a que se agarrar. A evangelização, no nosso tempo, só será possível por contágio de alegria.
Como vimos, a Bem-aventurança dos pobres em espírito orienta a nossa relação com Deus, com os bens materiais e com os pobres. À vista do exemplo e das palavras de Jesus, damo-nos conta da grande necessidade que temos de conversão, de fazer com que a lógica do ser mais prevaleça sobre a lógica do ter mais. Os Santos são quem mais nos pode ajudar a compreender o significado profundo das Bem-aventuranças. Neste sentido, a canonização de João Paulo II, no segundo domingo de Páscoa, é um acontecimento que enche o nosso coração de alegria. Ele será o grande patrono das Jornadas Mundiais da Juventude, de que foi o iniciador e impulsionador. E, na comunhão dos Santos, continuará a ser, para todos vós, um pai e um amigo.
No próximo mês de Abril, tem lugar também o trigésimo aniversário da entrega aos jovens da Cruz do Jubileu da Redenção. Foi precisamente a partir daquele acto simbólico de João Paulo II que principiou a grande peregrinação juvenil que, desde então, continua a atravessar os cinco continentes. Muitos recordam as palavras com que, no domingo de Páscoa do ano 1984, o Papa acompanhou o seu gesto: «Caríssimos jovens, no termo do Ano Santo, confio-vos o próprio sinal deste Ano Jubilar: a Cruz de Cristo! Levai-a ao mundo como sinal do amor do Senhor Jesus pela humanidade, e anunciai a todos que só em Cristo morto e ressuscitado há salvação e redenção».
Queridos jovens, o Magnificat, o cântico de Maria, pobre em espírito, é também o canto de quem vive as Bem-aventuranças. A alegria do Evangelho brota dum coração pobre, que sabe exultar e maravilhar-se com as obras de Deus, como o coração da Virgem, que todas as gerações chamam «bem-aventurada» (cf. Lc 1, 48). Que Ela, a mãe dos pobres e a estrela da nova evangelização, nos ajude a viver o Evangelho, a encarnar as Bem-aventuranças na nossa vida, a ter a coragem da felicidade.
Vaticano, 21 de Janeiro – Memória de Santa Inês, virgem e mártir – de 2014.
PAPA FRANCISCO