Díli, 19 de Maio de 2002
Eminentíssimos SenhoresExcelentíssimas AutoridadesSenhor Bispo D. Ximenes Belo Queridos Amigos em Cristo
Este é o dia que o Senhor fez; exultemos e alegremo-nos nele! É com os corações transbordantes de alegria que aqui nos juntamos, porque vós, povo de Timor Leste, encontrastes recentemente a liberdade e a independêmcia; um benefício conquistado por alto preço.
Agradeço profundamente ao Senhor D. Carlos Filipe Ximenes Belo, não só por me convidar a presidir à celebração desta Santa Missa, mas também pela sua função importante no longo e difícil processo para uma serena independência de Timor Leste; função essa que lhe obteve o Prémio Nobel da Paz em 1996 uma honra bem merecida por ti, meu Irmão no Episcopado, e por quantos se encontram hoje aqui connosco e que trabalham contigo como arquitectos da liberdade e independência.
D. Ximenes Belo, tu és um bom pastor que conhece o seu rebanho! Agradeço-te pelo testemunho do Evangelho e pela solicitude para com o Povo de Deus!
Celebramos hoje esta Missa no mesmo lugar onde o fez o Papa João Paulo II, no dia 12 de Outubro de 1989. A sua decisão de celebrar Missa em Díli foi uma expressão da grande esperança que depositava no Povo timorense e um sinal de encorajamento. O Santo Padre sempre esteve e continua solidário convosco, manifestando as suas pessoais congratulações a cada um de vós aqui presentes nesta especial ocasião. Além disso, exorta-vos, com as palavras de São Pedro, a "comportar-vos como homens livres, não como aqueles que fazem da liberdade como que um véu para encobrir a malícia, mas como servos de Deus".
O facto de Sua Santidade me ter querido seu enviado Extraordinário à Proclamação da Independência de Timor Leste constitui para mim uma grave honra e privilégio. Sinto-me verdadeiramente feliz por estar aqui, não só porque pessoalmente interessado numa serena independência desta nobre terra, mas também porque durante os últimos quinze anos, na minha qualidade de Núncio Apostólico e Observador Permanente da Santa Sé junto das Nações Unidas, tive repetidas oportunidades de trabalhar para esta importante causa. Mesmo quando a outros na Família das Nações lhes pareceu o contrário, a Santa Sé sempre se manteve activamente empenhada procurando ajudar o Povo timorense na concretização da sua liberdade e independência.
No Antigo Testamento, Moisés ensinou o seu povo a recordar-se das grandes obras que Deus fez por eles; como Ele os fez sair juntos, caminhou à sua frente através do deserto, alimentou-os com o pão do céu, libertou-os da escravidão e guiou-os através de terras vastas e perigosas.
O mesmo sucedeu com o povo de Timor Leste, que há-de manter vivo na memória também "quem nos conduziu juntos?", "qual foi o nosso percurso?", "quem nos levou através do deserto, dando-nos alimento e bebida?", "quem nos libertou?". Estas são as interrogações acerca da vossa identidade, unidade, história, segurança e fé comum. São as perguntas que alimentam a vossa busca de independência, que alcançastes pagando um alto preço.
Quer a nível pessoal, quer como Nação, muitas vezes reflectis sobre a causa das vossas inquietações. Os fracassos e frustrações, juntamente com ameaças, guerra e violência, deixam-vos não raro abatidos. A realidade política e social muitas vezes vos amedronta. Uns preocupam-se com o futuro da Igreja, outros com o estado da Nação. Muitos vivem alarmados com a situação mundial. Em todo este alvoroço da alma, subjaz o mesmo refrão: "Onde está a nossa âncora? Em quem podemos confiar?". São Paulo, na Carta aos Efésios, ajuda-nos a discernir nestas questões. Diz que Cristo é a fonte da nossa unidade, e que a nossa identificação com o Senhor é uma força de onde brota justiça e paz.
Quando Jesus apareceu aos discípulos depois da sua ressurreição, deu-lhes o único dom que poderia libertá-los das cadeias que os imobilizavam; cadeias de tristeza e mágoas, de confusão e medo. Jesus deu-lhes o Espírito Santo e eles sentiram-se livres, com uma nova coragem e energia para irem ensinar todas as nações, para serem um povo santo, um sacerdócio real, uma nação sagrada.
O Espírito, que encheu os discípulos no Pentecostes, foi tão forte como confirmação da fé em Jesus que os crentes eram capazes de falar de forma não apenas unânime mas compreensível universalmente. É o Espírito, como recorda o grande hino Veni, Sancte Spiritus, que habita no coração do pobre e desvalido; que gera alegria e consola o triste; que dá uma inteligência profunda e transforma aflições, enchendo de gozo o coração humano.
Como suspirou o Povo timorense pelos efeitos vigorosos e libertadores do Pentecostes! Quanto vos sacrificastes para chegar a esta hora! Quantos milhares de vidas se perderam ao longo do caminho! No Evangelho de hoje, Jesus lembra-nos que não há amor maior do que este: dar a própria vida pelos seus amigos. Nós queremos lembrar nesta Missa todos aqueles que perderam as suas vidas na luta pela liberdade; encomendamos as suas almas à misericórdia amorosa de Deus, com a certeza e firme esperança de que um dia havemos de vê-los de novo, quando o amor de Cristo, que tudo domina, destruir por fim a própria morte. Rezamos também por aqueles que choram a sua perda: os familiares e amigos que, em seus corações, conservam viva a lembrança dos seus entes queridos.
Também São Paulo diz que o amor, a alegria, a paz, a confiança, a benignidade, a bondade, a mansidão, a paciência e a continência desarmam os efeitos perversos da idolatria, das divergências, das acções, da inveja e do ódio. Os dons do Espírito Santo tornam-nos capazes de ultrapassar as tristes divisões da nossa humanidade dilacerada, e permitem-nos exprimir a nossa união de irmãos no Senhor. O Senhor Jesus diz-nos, no Evangelho de São João, que devemos amar-nos uns aos outros como Ele nos amou. Não se trata de uma gentil sugestão; é um mandamento. Temos de continuar a pedir os dons do Espírito Santo, para que a alegria de sermos livres sempre se radique na verdade, na justiça e na paz para com todos.
Uma verdadeira liberdade e uma autêntica independência são dom do Espírito de Deus; um dom sumamente prezado pelas pessoas que sofreram a sua privação, que suspiraram e lutaram para ser livres. Isto mesmo está bem espelhado na bandeira do vosso País novo; são quatro cores que simbolizam o percurso feito até chegar à independência e à esperança de um amanhã mais promissor: o preto simboliza os sofrimentos e aflições passadas; o vermelho, o sangue derramado pela liberdade; o dourado traduz o anseio dum futuro próspero; o branco, a paz; e por fim uma estrela, para guiar o vosso caminho pátrio.
Hoje é um dia glorioso para o Povo timorense. É um dia igualmente glorioso para os católicos timorenses. Sim! É o Espírito Santo que nos consola com a certeza de que realmente os nossos trabalhos e esforços modificaram o mundo, mas neste aqui, como em todos os âmbitos da vida, não há solução última que não saia das mãos de Deus. Muitas vezes nos ensinou a história que, quando as declarações de independência colocam Deus fora da cena, prepara-se o desastre, tanto dos indivíduos como da nação. Só Deus é o nosso refúgio, e um baluarte contra os nossos temores. Em todas as coisas, devemos perguntar-nos: qual é a nossa rocha, a nossa esperança, a nossa protecção, a nossa força? Em tudo, a resposta é Deus, o único que pode servir como nossa segurança sem tornar-se um ídolo que nos escravize no medo.
Por este motivo, nesta maravilhosa ocasião em que nos congregamos para celebrar a Declaração de Independência, convido-vos a deixar espaço para uma certa dependência de Deus; uma dependência que todos nós devemos manter, se queremos ser verdadeiramente livres. Na verdade, a dependência de Deus pode ser o maior contributo para a democracia que agora rege esta terra; este nobre e soberano Estado que, com ufania, chamamos Timor Leste.
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
Timor Loro Sae
As irmãs Missionárias Servas do Espírito Santo estão acompanhar os grupos jovens de várias Paróquias em Timor Leste.
Os jovens reuniam mensalmente com o objectivo de partilhar a experiêcia da própria Fé como cristãos e como jovens Católicos. Cada encontro descobrem que o grupo é como um espaço onde possam crescer juntos na fé e na esperança para construir a paz na sociedade, na escola, no seio dos seus familiares e entre os próprios jovens.
segunda-feira, 6 de outubro de 2008
ASPECTOS RELATIVOS AO QUOTIDIANO
DIA-A-DIA E POSTOS DE TRABALHO
Como conta a Sra. Elvira Neves, o dia-a-dia da população timorense é bastante semelhante ao da população portuguesa, os mais novos vão para a escola e os adultos rumam em direcção aos seus postos de trabalho que, no tempo da colonização, remetiam, essencialmente, para cargos na Administração Pública Portuguesa, para o comércio chinês, em que os timorenses eram, simples, empregados e para a agricultura caseira.
Actualmente, os postos de trabalho compreendem os cargos inerentes à hierarquia do Governo, à função pública e ao comércio, mas a grande maioria da população encontra-se desempregada, não tendo, portanto, meios de subsistência. Por outro lado, as rotinas diárias encontram-se interrompidas, devido aos conflitos armados que têm tido lugar e que levaram muita gente a abandonar as suas casas, dirigindo-se essencialmente, para Baucau e para as montanhas.
EDIFÍCIOS
Segundo conta a Sra. Elvira Neves, durante a Administração portuguesa os edifícios existentes compreendiam as habitações, o hospital, o liceu, a escola primária, a igreja, o Palácio das Repartições (que continha o palácio do governo e as restantes repartições), as associações dos clubes de futebol, Benfica, Sporting e Académica para as elites, e União, um clube de timorenses que pretendiam lutar pela libertação de Timor, os quais desencadearam a revolta de 1959.
Actualmente, os edifícios existentes são as habitações, as escolas, as igrejas, o edifício da UNTAET, os hotéis, as embaixadas, o hospital e a sede do governo.
MEIOS DE TRANSPORTE
O pequeno cavalo de Timor é o animal de transporte e de carga, por excelência, pois é o que melhor se adapta ao relevo acidentado da ilha.
No que se refere às deslocações diárias, os autóctones deslocam-se, essencialmente a pé, de bicicleta ou de mota. Já existem carros, mas a sua utilização ainda não está muito difundida.
AQUECIMENTO
Nas palavras da Sra. Elvira Neves os pobres aqueciam-se com lenha e os que tinham mais posses utilizavam o carvão. Todavia, em Timor a necessidade de aquecimento não é muito grande, devido ao clima tropical, em que a época fria é mais quente do que a Primavera em Portugal.
HIGIENE
Antigamente, para tomar banho, os nativos punham água numa selha e depois com a caneca é que tomavam banho, o chamado banho de gato, normalmente com água fria. A água também podia ser aquecida, nos lalean – fogareiro timorense formado por três pedras dispostas em triângulo. No meio põe-se a lenha e faz-se a fogueira, depois do fogo ateado põe-se a panela de ferro ou barro.
Lavavam-se com sabão azul e branco, de fabrico próprio e para pôr a roupa branca usavam cinza.
Actualmente, já existe água canalizada, mas nem todos têm acesso, pelo que utilizam o método acima referido.
TEMPOS LIVRES
A população timorense ocupa os seus tempos livres praticando pesca marinha (camarão e algas), à noite, e a contar histórias dos antepassados, ao luar, histórias maioritariamente verídicas.
EDUCAÇÃO
Segundo conta a Sra. Elvira Neves haviam escolas públicas e missões católicas espalhadas por todas as províncias de Timor-leste. As últimas tinham capacidade para mais alunos e funcionavam em regime de internato, só em Dili é que o regime era de externato.
“A maior parte dos timorenses foram instruídos por missões católicas, tanto os rapazes – colégios dos padres – como as raparigas – colégios das madres. Não eram mistos. A escola pública – uma escola primária e um liceu – só existia em Dili, mas era mista e havia muitos pais que não gostavam. As missões católicas tinham até ao 12º ano do liceu, mas só para quem estivesse vocacionado para a vida religiosa. Muitos estudantes chegavam ao fim do liceu e diziam que não queriam seguir a vida religiosa.
O ensino nas missões católicas era muito melhor do que na escola pública, mas o exame final de 4ª classe era feito na escola pública em Dili.”
“Só ia à escola quem vivia perto da escola, porque não havia meios de transporte.” Contudo, “todas as mães timorenses analfabetas nasceram com a noção de que só o estudo faz a pessoa avançar na vida. Há pais timorenses que chegam ao ponto de dar os filhos a outras pessoas, como criados, só para os filhos poderem estudar.” As crianças são baptizadas pelas famílias a quem são entregues e ajudam nas tarefas domésticas, tendo os padrinhos o compromisso de as inscrever na escola, pelo menos até à 4ª classe. “Depois os pais vão buscá-los outra vez.”
Hoje em dia, as missões católicas mantêm-se, mas a escola pública está mais difundida. A principal particularidade dos tempos que correm, em Timor-Leste, é o facto de todos os alunos terem de pagar propinas, independentemente, dos pais terem trabalho ou não, segundo conta a Sra. Rosa da Rosa. Os estudantes que pretendam seguir o ensino universitário emigram, normalmente para Portugal, Indonésia ou para a Austrália.
DOENÇAS
As principais doenças passíveis de contrair em Timor são a malária, por causa dos mosquitos e do clima e a elefantíase, devido às águas estagnadas.
GASTRONOMIA
A base da alimentação do povo timorense é o arroz branco, cozinhado, apenas, com sal e tendo, como acompanhamento modo fila (hortaliça frita/ virada).
Segundo informações da Sra. Elvira Neves, os pratos tradicionais são o tukir (cuja tradução é fazer no bambú) e o arroz katupa (arroz de coco cozido em saquinhos feitos de folhas de coqueiro). O tukir é preparado com cabrito, designadamente a parte das costelas e a espinha, tudo cortado aos pedacinhos. Tempera-se com sal, pimenta, alho, cebola, picante e tamarindo e deixa-se amarinar até ao outro dia. Antes de colocar a carne na panela, polvilha-se o fundo desta com erva-doce. Depois, coloca-se a carne e deixa-se cozer em lume brando, sem acrescentar água, no caso de se cozinhar em casa. Caso se esteja num piquenique, procura-se um bambú de largo diâmetro e coloca-se a carne lá dentro, sem tirar o que está no interior do bambu, pois é isso que vai permitir que a carne seja cozida dentro do bambu. Roda-se o bambú em cima de uma fogueira até este ficar negro, momento em que a refeição está pronta. Daí a designação de cozer no bambu – receita fornecida pela Sra. Cecília Agostinho.
Todos os outros pratos têm influências chinesas e indianas, como o chau mi, o caril, o sarabulho, o midar sin, o sasati, o van tan, o coi bandeira. Os pratos timorenses têm a especificidade de serem bastante condimentados.
INSTRUMENTOS DE DEFESA
A população timorense utiliza como armas de defesa a pedra, a fisga, a catana e, mais recentemente, devido aos constantes conflitos armados, armas automáticas. Todavia, a tradicional arma do timorense é a catana, que o acompanha para todo o lado, quer para fins de defesa pessoal, quer para fins laborais, pois “quando vai passear, ao passar por um sítio, pode surgir alguém que lhe encomende um trabalho e, então, a catana está sempre consigo. Se ele chegar a casa e encontrar a mulher com outro, corta a cabeça dela, porque ela é que o traiu.” (Sra. Elvira Neves)
A realização do presente trabalho revelou-se deveras importante, uma vez que permitiu a aquisição de conhecimentos sobre a cultura de origem das suas autoras, nomeadamente aspectos que ambas desconheciam.
Por outro lado, considera-se de extrema importância conhecer-se os antepassados e a evolução de que o povo timorense foi alvo até aos dias de hoje, os dias que são mais familiares à juventude timorense.
Completado o percurso proposto e cumprido o objectivo delineado, conclui-se que a cultura timorense é bastante rica no que se refere a rituais, valores, crenças, o que se depreende através da emoção demonstrada pelos sujeitos entrevistados, enquanto falavam sobre Timor e recordavam os momentos lá passados, uma vez que se tratam, na sua totalidade, de pessoas que abandonaram a sua terra natal, aquando da guerra. Por outro lado, a emoção revelada pelas pessoas entrevistadas denota a interiorização da cultura timorense e a importância conferida à mesma, facto que se considera, extremamente, importante, numa época de desenvolvimento tecnológico constante que, como que anula as raízes das diferentes culturas, tornando importante, apenas, as aquisições materiais do momento, aspecto que se verifica, essencialmente, nos países ocidentais.
Finalmente, a realização do presente trabalho despertou o interesse para a elaboração de um documento que reúna a essência da cultura timorense, desde a sua evolução histórica às especificidades das línguas e dialectos falados em todo o território. Um documento que reúna as informações patentes em várias obras já editadas e, ainda, informações fornecidas pela população timorense compreendida nas faixas etárias superiores – pois as histórias contadas pelos anciãos são, sempre, repletas de ensinamentos, recordações – e que se possa tornar num legado para as gerações vindouras.
(O tabalho foi realizado pela Faviola Alixo e Ma. Mendes, estudantes do Curso de Serviço Social da Univercidade Católica Portuguesa de Lisboa, disciplina Antropologia Cultural de ano de 2006)
Como conta a Sra. Elvira Neves, o dia-a-dia da população timorense é bastante semelhante ao da população portuguesa, os mais novos vão para a escola e os adultos rumam em direcção aos seus postos de trabalho que, no tempo da colonização, remetiam, essencialmente, para cargos na Administração Pública Portuguesa, para o comércio chinês, em que os timorenses eram, simples, empregados e para a agricultura caseira.
Actualmente, os postos de trabalho compreendem os cargos inerentes à hierarquia do Governo, à função pública e ao comércio, mas a grande maioria da população encontra-se desempregada, não tendo, portanto, meios de subsistência. Por outro lado, as rotinas diárias encontram-se interrompidas, devido aos conflitos armados que têm tido lugar e que levaram muita gente a abandonar as suas casas, dirigindo-se essencialmente, para Baucau e para as montanhas.
EDIFÍCIOS
Segundo conta a Sra. Elvira Neves, durante a Administração portuguesa os edifícios existentes compreendiam as habitações, o hospital, o liceu, a escola primária, a igreja, o Palácio das Repartições (que continha o palácio do governo e as restantes repartições), as associações dos clubes de futebol, Benfica, Sporting e Académica para as elites, e União, um clube de timorenses que pretendiam lutar pela libertação de Timor, os quais desencadearam a revolta de 1959.
Actualmente, os edifícios existentes são as habitações, as escolas, as igrejas, o edifício da UNTAET, os hotéis, as embaixadas, o hospital e a sede do governo.
MEIOS DE TRANSPORTE
O pequeno cavalo de Timor é o animal de transporte e de carga, por excelência, pois é o que melhor se adapta ao relevo acidentado da ilha.
No que se refere às deslocações diárias, os autóctones deslocam-se, essencialmente a pé, de bicicleta ou de mota. Já existem carros, mas a sua utilização ainda não está muito difundida.
AQUECIMENTO
Nas palavras da Sra. Elvira Neves os pobres aqueciam-se com lenha e os que tinham mais posses utilizavam o carvão. Todavia, em Timor a necessidade de aquecimento não é muito grande, devido ao clima tropical, em que a época fria é mais quente do que a Primavera em Portugal.
HIGIENE
Antigamente, para tomar banho, os nativos punham água numa selha e depois com a caneca é que tomavam banho, o chamado banho de gato, normalmente com água fria. A água também podia ser aquecida, nos lalean – fogareiro timorense formado por três pedras dispostas em triângulo. No meio põe-se a lenha e faz-se a fogueira, depois do fogo ateado põe-se a panela de ferro ou barro.
Lavavam-se com sabão azul e branco, de fabrico próprio e para pôr a roupa branca usavam cinza.
Actualmente, já existe água canalizada, mas nem todos têm acesso, pelo que utilizam o método acima referido.
TEMPOS LIVRES
A população timorense ocupa os seus tempos livres praticando pesca marinha (camarão e algas), à noite, e a contar histórias dos antepassados, ao luar, histórias maioritariamente verídicas.
EDUCAÇÃO
Segundo conta a Sra. Elvira Neves haviam escolas públicas e missões católicas espalhadas por todas as províncias de Timor-leste. As últimas tinham capacidade para mais alunos e funcionavam em regime de internato, só em Dili é que o regime era de externato.
“A maior parte dos timorenses foram instruídos por missões católicas, tanto os rapazes – colégios dos padres – como as raparigas – colégios das madres. Não eram mistos. A escola pública – uma escola primária e um liceu – só existia em Dili, mas era mista e havia muitos pais que não gostavam. As missões católicas tinham até ao 12º ano do liceu, mas só para quem estivesse vocacionado para a vida religiosa. Muitos estudantes chegavam ao fim do liceu e diziam que não queriam seguir a vida religiosa.
O ensino nas missões católicas era muito melhor do que na escola pública, mas o exame final de 4ª classe era feito na escola pública em Dili.”
“Só ia à escola quem vivia perto da escola, porque não havia meios de transporte.” Contudo, “todas as mães timorenses analfabetas nasceram com a noção de que só o estudo faz a pessoa avançar na vida. Há pais timorenses que chegam ao ponto de dar os filhos a outras pessoas, como criados, só para os filhos poderem estudar.” As crianças são baptizadas pelas famílias a quem são entregues e ajudam nas tarefas domésticas, tendo os padrinhos o compromisso de as inscrever na escola, pelo menos até à 4ª classe. “Depois os pais vão buscá-los outra vez.”
Hoje em dia, as missões católicas mantêm-se, mas a escola pública está mais difundida. A principal particularidade dos tempos que correm, em Timor-Leste, é o facto de todos os alunos terem de pagar propinas, independentemente, dos pais terem trabalho ou não, segundo conta a Sra. Rosa da Rosa. Os estudantes que pretendam seguir o ensino universitário emigram, normalmente para Portugal, Indonésia ou para a Austrália.
DOENÇAS
As principais doenças passíveis de contrair em Timor são a malária, por causa dos mosquitos e do clima e a elefantíase, devido às águas estagnadas.
GASTRONOMIA
A base da alimentação do povo timorense é o arroz branco, cozinhado, apenas, com sal e tendo, como acompanhamento modo fila (hortaliça frita/ virada).
Segundo informações da Sra. Elvira Neves, os pratos tradicionais são o tukir (cuja tradução é fazer no bambú) e o arroz katupa (arroz de coco cozido em saquinhos feitos de folhas de coqueiro). O tukir é preparado com cabrito, designadamente a parte das costelas e a espinha, tudo cortado aos pedacinhos. Tempera-se com sal, pimenta, alho, cebola, picante e tamarindo e deixa-se amarinar até ao outro dia. Antes de colocar a carne na panela, polvilha-se o fundo desta com erva-doce. Depois, coloca-se a carne e deixa-se cozer em lume brando, sem acrescentar água, no caso de se cozinhar em casa. Caso se esteja num piquenique, procura-se um bambú de largo diâmetro e coloca-se a carne lá dentro, sem tirar o que está no interior do bambu, pois é isso que vai permitir que a carne seja cozida dentro do bambu. Roda-se o bambú em cima de uma fogueira até este ficar negro, momento em que a refeição está pronta. Daí a designação de cozer no bambu – receita fornecida pela Sra. Cecília Agostinho.
Todos os outros pratos têm influências chinesas e indianas, como o chau mi, o caril, o sarabulho, o midar sin, o sasati, o van tan, o coi bandeira. Os pratos timorenses têm a especificidade de serem bastante condimentados.
INSTRUMENTOS DE DEFESA
A população timorense utiliza como armas de defesa a pedra, a fisga, a catana e, mais recentemente, devido aos constantes conflitos armados, armas automáticas. Todavia, a tradicional arma do timorense é a catana, que o acompanha para todo o lado, quer para fins de defesa pessoal, quer para fins laborais, pois “quando vai passear, ao passar por um sítio, pode surgir alguém que lhe encomende um trabalho e, então, a catana está sempre consigo. Se ele chegar a casa e encontrar a mulher com outro, corta a cabeça dela, porque ela é que o traiu.” (Sra. Elvira Neves)
A realização do presente trabalho revelou-se deveras importante, uma vez que permitiu a aquisição de conhecimentos sobre a cultura de origem das suas autoras, nomeadamente aspectos que ambas desconheciam.
Por outro lado, considera-se de extrema importância conhecer-se os antepassados e a evolução de que o povo timorense foi alvo até aos dias de hoje, os dias que são mais familiares à juventude timorense.
Completado o percurso proposto e cumprido o objectivo delineado, conclui-se que a cultura timorense é bastante rica no que se refere a rituais, valores, crenças, o que se depreende através da emoção demonstrada pelos sujeitos entrevistados, enquanto falavam sobre Timor e recordavam os momentos lá passados, uma vez que se tratam, na sua totalidade, de pessoas que abandonaram a sua terra natal, aquando da guerra. Por outro lado, a emoção revelada pelas pessoas entrevistadas denota a interiorização da cultura timorense e a importância conferida à mesma, facto que se considera, extremamente, importante, numa época de desenvolvimento tecnológico constante que, como que anula as raízes das diferentes culturas, tornando importante, apenas, as aquisições materiais do momento, aspecto que se verifica, essencialmente, nos países ocidentais.
Finalmente, a realização do presente trabalho despertou o interesse para a elaboração de um documento que reúna a essência da cultura timorense, desde a sua evolução histórica às especificidades das línguas e dialectos falados em todo o território. Um documento que reúna as informações patentes em várias obras já editadas e, ainda, informações fornecidas pela população timorense compreendida nas faixas etárias superiores – pois as histórias contadas pelos anciãos são, sempre, repletas de ensinamentos, recordações – e que se possa tornar num legado para as gerações vindouras.
(O tabalho foi realizado pela Faviola Alixo e Ma. Mendes, estudantes do Curso de Serviço Social da Univercidade Católica Portuguesa de Lisboa, disciplina Antropologia Cultural de ano de 2006)
ARTESANATO
CESTARIA
A cestaria é uma das actividades mais activas em Timor-leste, tanto para comércio, como para uso quotidiano e encontra-se a cargo das mulheres.
Depois de cortada em tiras mais ou menos estreitas conforme os objectos a fazer, a folha de palmeira é entrançada, transformando-se em cestos, caixas, pratos, açafates, cigarreiras, bolsas, entre várias outras coisas. O colorido e a minúcia do desenho são espantosos, por vezes as tiras têm pouco mais de 1mm de largura.
Distinguem-se três tipos de entrançado: diagonal, ortogonal e hexagonal, sendo este último o mais surpreendente nas formas e nos desenhos. Os "katupa" (saquinhos) feitos em folha de coqueiro para cozer o arroz de coco são um exemplo da utilidade da cestaria no dia a dia do timorense, servem de recipiente para conter o arroz durante a cozedura e ao mesmo tempo para o transporte do mesmo em viagem. As timorenses mais idosas sabiam fazer algumas dezenas de formas diferentes destes saquinhos.
O artesanato timorense está muito ligado ao quotidiano, traduzindo-se a grande maioria das peças em representações mais ou menos estilizadas da realidade, as conhecidas casas de sândalo feitas à imagem das casas de Lautém, as figuras de pássaros feitas em chifre de búfalo, o crocodilo da lenda da formação de Timor, os guerreiros, os búfalos e os cavalos de Timor, as corcoras e beiros (barcos de Timor) feitos em casca de tartaruga.
CERÂMICA
A arte cerâmica existe em todas as regiões, mas está mais enraizada nas regiões de Vemasse, Viqueque e Baucau . A matéria-prima é fabricada em partes iguais, com areia da praia e uma argila cinzenta dos socalcos das montanhas. A pasta preparada em pequenas quantidades resulta do amassar cuidadoso e com graus de coesão e rijeza iguais. A tarefa de amassar, trabalhar e cozer o barro cabe às mulheres, nos intervalos das lides domésticas.
O barro é trabalhado do seguinte modo: “É sempre a pá que boleia e a mão esquerda que sustenta o artefacto, em volta do punho e do ante-braço. Só quando se acha quase finalizado e que se torna necessário dar-lhe os últimos retoques de perfeição é que, por um impulso brusco, o sólido toma um movimento rápido de rotação, e a mão direita segurando um pequeno cavaco raspa e tira, aqui e ali, excessos de matéria-prima e nivela deformações.”
Os objectos são cozidos num forno em que o fogo e os primeiros são cobertos com largas folhas de palmeira e bananeira, previamente secas pela acção do lume, que formam um tecto, conservando o calor por um longo período de tempo. A decoração é quase inexistente, limitando-se a maior parte das vezes a um simples cordão ondulante à volta dos bordos.
OURIVESARIA
Os ourives fabricam vários tipos de adornos, como pulseiras, anéis, luas, pequenas caixas de prata e utilizam, para a sua confecção, antigas moedas de prata ou de ouro derretidas.
O processo de fabrico das jóias é o seguinte: o metal, colocado num cadinho de barro, é derretido num fogareiro coberto de brasas, sendo em seguida, mergulhado em água, e depois trabalhado sobre um espigão de ferro, com auxílio dum pequeno martelo.
Os dourados são conseguidos com fricções, concomitantes, de sumo de limão e uma mistura de carvão com substâncias metálicas, extraídas duma determinada pedra.
O ourives Bahadhem-Muraq usa, além de algumas ferramentas compradas no comércio chinês, as seguintes na fabricação local e, portanto, rudimentares: uma broca, uma plaina, um instrumento para calibrar a prata em diversas secções, e um pequeno fole.
MÚSICA E DANÇAS TRADICIONAIS
A música de Timor-Leste reflecte o contexto geográfico, cultural e social local, pelo que possibilita a percepção de elementos distintamente autóctones, mas também de influências de outras culturas musicais, como a ocidental, fruto da colonização portuguesa.
Música e dança interligam-se nos géneros tradicionais timorenses, sendo elementos fundamentais da expressão cultural. Do repertório tocado, constam quatro géneros bem definidos: tebe, tebedai, dansa e cansaun. Todos se baseiam na tradição oral e foram passando de geração em geração.
O tebe, palavra em tétum que, literalmente, significa dançar, é um género tradicionalmente executado em todas as casas de Timor-Leste ao anoitecer, em festas de carácter animista (estilu), durante a época das colheitas ou, ainda, na abertura de uma casa sagrada (uma lulik). É uma dança em roda ou em meia-lua, composta por uma ou mais melodias, com variações e sem acompanhamento instrumental, executada por elementos femininos e masculinos, entrelaçados alternadamente. O círculo ou a meia-lua alarga-se ou concentra-se, enquanto os dançarinos saltam batendo, ritmadamente e entusiasticamente, os pés no chão em determinadas sílabas. Trata-se de um género que se destina a ser executado como um diálogo entre dois interlocutores (independentemente do sexo), implicando uma estrutura musical do estilo pergunta-resposta.
Também uma dança, o tebedai é comum a toda a ilha de Timor, embora com variações, consoante a zona onde é executado. É um género exclusivamente rítmico, onde os elementos femininos tocam os babadok e os dadir com ou sem movimentos corporais. É composta, geralmente, por dois motivos rítmicos, repetidos alternadamente tantas vezes quantas desejadas. Por vezes, o tebedai feminino é acompanhado pelo bidu masculino, realizado por um ou mais homens que se movem, livremente, à frente, ao lado ou atrás das mulheres, erguendo a espada e emitindo gritos guerreiros.
Por outro lado, o género dansa classifica uma dança em que o movimento coreográfico não é realizado em roda ou meia-lua. A melodia é acompanhada pelas violas, dentro dos parâmetros de harmonia tonal, reflectindo assim o processo de assimilação da tradição musical ocidental. É um género mais recente, que se foi difundindo pelo território e foi sendo adaptado para exprimir, sobretudo, actividades do quotidiano, como por exemplo a debulha do arroz ou a apanha do camarão (suru boek). A forma mais difundida de dansa é a likurai, realizada por mulheres para, tradicionalmente, dar as boas-vindas aos homens regressados da guerra. Elas usavam o babadok (um pequeno tambor) e, por vezes, carregavam cabeças de inimigos em procissão através da aldeia. Na sua versão actual, a likurai é usada pelas mulheres no namoro.
Finalmente, a cansaun deve ser entendida como uma melodia com acompanhamento instrumental. Esta classificação é atribuída às canções populares executadas em Timor-Leste, já com influências ocidentais, embora possa, também, designar as canções tradicionais que não são dançadas. Esta denominação é, igualmente, aplicada às melodias originais acompanhadas, compostas por timorenses com textos originais em tétum ou português, ou a melodias ocidentais a que foi adaptado um texto em tétum.
Os instrumentos musicais, os trajes e os objectos de adorno desempenham, do mesmo modo, um papel relevante na performance musical. Dos primeiros, salientam-se o babadok e o dadir (também dadil, gong ou gon).
O babadok é um pequeno tambor de corpo cónico de madeira, com cerca de 30 a 50 centímetros de comprimento e de cerca de 15 centímetros de diâmetro, em geral tocado pelos elementos femininos que o percutem, alternadamente, com ambas as mãos.
O dadir é um círculo de metal de, aproximadamente, 25 centímetros de diâmetro, que é percutido com uma baqueta de madeira, de altura indefinida e sem possibilidade de afinação. À semelhança do babadok, é também um instrumento tocado pelos elementos femininos.
No repertório musical executado surgem, ainda, as violas e as flautas de bisel soprano, instrumentos ocidentais introduzidos na performance timorense.
No que concerne aos trajes, compõem-se de tais mane e tais feto. Os homens colocam um lenço na cabeça sobre o qual aplicam a kaibauk, lua de metal com aplicações de pequenas lágrimas e espigas, sendo a maior e mais ornamentada pertença do liurai, chefe ou rei tradicional timorense. A surik, espada guerreira, e o belak, disco de metal suspenso ao peito, completam o traje dos homens. As mulheres usam a kaibauk, além da ulum suku, para prender os cabelos, e do sasuit, pente de dentes largos. Geralmente, usam o mortene ao peito, colar feito de materiais diversos, e à cintura um pano branco. Por fim, a lokum ou kelui, uma pulseira de metal usada pelos homens no braço e pelas mulheres no antebraço. Todos os elementos actuam descalços e com uma salenda, xaile fabricado com o mesmo tipo de pano artesanal dos tais, colocada nos ombros.
A cestaria é uma das actividades mais activas em Timor-leste, tanto para comércio, como para uso quotidiano e encontra-se a cargo das mulheres.
Depois de cortada em tiras mais ou menos estreitas conforme os objectos a fazer, a folha de palmeira é entrançada, transformando-se em cestos, caixas, pratos, açafates, cigarreiras, bolsas, entre várias outras coisas. O colorido e a minúcia do desenho são espantosos, por vezes as tiras têm pouco mais de 1mm de largura.
Distinguem-se três tipos de entrançado: diagonal, ortogonal e hexagonal, sendo este último o mais surpreendente nas formas e nos desenhos. Os "katupa" (saquinhos) feitos em folha de coqueiro para cozer o arroz de coco são um exemplo da utilidade da cestaria no dia a dia do timorense, servem de recipiente para conter o arroz durante a cozedura e ao mesmo tempo para o transporte do mesmo em viagem. As timorenses mais idosas sabiam fazer algumas dezenas de formas diferentes destes saquinhos.
O artesanato timorense está muito ligado ao quotidiano, traduzindo-se a grande maioria das peças em representações mais ou menos estilizadas da realidade, as conhecidas casas de sândalo feitas à imagem das casas de Lautém, as figuras de pássaros feitas em chifre de búfalo, o crocodilo da lenda da formação de Timor, os guerreiros, os búfalos e os cavalos de Timor, as corcoras e beiros (barcos de Timor) feitos em casca de tartaruga.
CERÂMICA
A arte cerâmica existe em todas as regiões, mas está mais enraizada nas regiões de Vemasse, Viqueque e Baucau . A matéria-prima é fabricada em partes iguais, com areia da praia e uma argila cinzenta dos socalcos das montanhas. A pasta preparada em pequenas quantidades resulta do amassar cuidadoso e com graus de coesão e rijeza iguais. A tarefa de amassar, trabalhar e cozer o barro cabe às mulheres, nos intervalos das lides domésticas.
O barro é trabalhado do seguinte modo: “É sempre a pá que boleia e a mão esquerda que sustenta o artefacto, em volta do punho e do ante-braço. Só quando se acha quase finalizado e que se torna necessário dar-lhe os últimos retoques de perfeição é que, por um impulso brusco, o sólido toma um movimento rápido de rotação, e a mão direita segurando um pequeno cavaco raspa e tira, aqui e ali, excessos de matéria-prima e nivela deformações.”
Os objectos são cozidos num forno em que o fogo e os primeiros são cobertos com largas folhas de palmeira e bananeira, previamente secas pela acção do lume, que formam um tecto, conservando o calor por um longo período de tempo. A decoração é quase inexistente, limitando-se a maior parte das vezes a um simples cordão ondulante à volta dos bordos.
OURIVESARIA
Os ourives fabricam vários tipos de adornos, como pulseiras, anéis, luas, pequenas caixas de prata e utilizam, para a sua confecção, antigas moedas de prata ou de ouro derretidas.
O processo de fabrico das jóias é o seguinte: o metal, colocado num cadinho de barro, é derretido num fogareiro coberto de brasas, sendo em seguida, mergulhado em água, e depois trabalhado sobre um espigão de ferro, com auxílio dum pequeno martelo.
Os dourados são conseguidos com fricções, concomitantes, de sumo de limão e uma mistura de carvão com substâncias metálicas, extraídas duma determinada pedra.
O ourives Bahadhem-Muraq usa, além de algumas ferramentas compradas no comércio chinês, as seguintes na fabricação local e, portanto, rudimentares: uma broca, uma plaina, um instrumento para calibrar a prata em diversas secções, e um pequeno fole.
MÚSICA E DANÇAS TRADICIONAIS
A música de Timor-Leste reflecte o contexto geográfico, cultural e social local, pelo que possibilita a percepção de elementos distintamente autóctones, mas também de influências de outras culturas musicais, como a ocidental, fruto da colonização portuguesa.
Música e dança interligam-se nos géneros tradicionais timorenses, sendo elementos fundamentais da expressão cultural. Do repertório tocado, constam quatro géneros bem definidos: tebe, tebedai, dansa e cansaun. Todos se baseiam na tradição oral e foram passando de geração em geração.
O tebe, palavra em tétum que, literalmente, significa dançar, é um género tradicionalmente executado em todas as casas de Timor-Leste ao anoitecer, em festas de carácter animista (estilu), durante a época das colheitas ou, ainda, na abertura de uma casa sagrada (uma lulik). É uma dança em roda ou em meia-lua, composta por uma ou mais melodias, com variações e sem acompanhamento instrumental, executada por elementos femininos e masculinos, entrelaçados alternadamente. O círculo ou a meia-lua alarga-se ou concentra-se, enquanto os dançarinos saltam batendo, ritmadamente e entusiasticamente, os pés no chão em determinadas sílabas. Trata-se de um género que se destina a ser executado como um diálogo entre dois interlocutores (independentemente do sexo), implicando uma estrutura musical do estilo pergunta-resposta.
Também uma dança, o tebedai é comum a toda a ilha de Timor, embora com variações, consoante a zona onde é executado. É um género exclusivamente rítmico, onde os elementos femininos tocam os babadok e os dadir com ou sem movimentos corporais. É composta, geralmente, por dois motivos rítmicos, repetidos alternadamente tantas vezes quantas desejadas. Por vezes, o tebedai feminino é acompanhado pelo bidu masculino, realizado por um ou mais homens que se movem, livremente, à frente, ao lado ou atrás das mulheres, erguendo a espada e emitindo gritos guerreiros.
Por outro lado, o género dansa classifica uma dança em que o movimento coreográfico não é realizado em roda ou meia-lua. A melodia é acompanhada pelas violas, dentro dos parâmetros de harmonia tonal, reflectindo assim o processo de assimilação da tradição musical ocidental. É um género mais recente, que se foi difundindo pelo território e foi sendo adaptado para exprimir, sobretudo, actividades do quotidiano, como por exemplo a debulha do arroz ou a apanha do camarão (suru boek). A forma mais difundida de dansa é a likurai, realizada por mulheres para, tradicionalmente, dar as boas-vindas aos homens regressados da guerra. Elas usavam o babadok (um pequeno tambor) e, por vezes, carregavam cabeças de inimigos em procissão através da aldeia. Na sua versão actual, a likurai é usada pelas mulheres no namoro.
Finalmente, a cansaun deve ser entendida como uma melodia com acompanhamento instrumental. Esta classificação é atribuída às canções populares executadas em Timor-Leste, já com influências ocidentais, embora possa, também, designar as canções tradicionais que não são dançadas. Esta denominação é, igualmente, aplicada às melodias originais acompanhadas, compostas por timorenses com textos originais em tétum ou português, ou a melodias ocidentais a que foi adaptado um texto em tétum.
Os instrumentos musicais, os trajes e os objectos de adorno desempenham, do mesmo modo, um papel relevante na performance musical. Dos primeiros, salientam-se o babadok e o dadir (também dadil, gong ou gon).
O babadok é um pequeno tambor de corpo cónico de madeira, com cerca de 30 a 50 centímetros de comprimento e de cerca de 15 centímetros de diâmetro, em geral tocado pelos elementos femininos que o percutem, alternadamente, com ambas as mãos.
O dadir é um círculo de metal de, aproximadamente, 25 centímetros de diâmetro, que é percutido com uma baqueta de madeira, de altura indefinida e sem possibilidade de afinação. À semelhança do babadok, é também um instrumento tocado pelos elementos femininos.
No repertório musical executado surgem, ainda, as violas e as flautas de bisel soprano, instrumentos ocidentais introduzidos na performance timorense.
No que concerne aos trajes, compõem-se de tais mane e tais feto. Os homens colocam um lenço na cabeça sobre o qual aplicam a kaibauk, lua de metal com aplicações de pequenas lágrimas e espigas, sendo a maior e mais ornamentada pertença do liurai, chefe ou rei tradicional timorense. A surik, espada guerreira, e o belak, disco de metal suspenso ao peito, completam o traje dos homens. As mulheres usam a kaibauk, além da ulum suku, para prender os cabelos, e do sasuit, pente de dentes largos. Geralmente, usam o mortene ao peito, colar feito de materiais diversos, e à cintura um pano branco. Por fim, a lokum ou kelui, uma pulseira de metal usada pelos homens no braço e pelas mulheres no antebraço. Todos os elementos actuam descalços e com uma salenda, xaile fabricado com o mesmo tipo de pano artesanal dos tais, colocada nos ombros.
VESTUÁRIO
No dia-a-dia o vestuário ocidental é bastante usado, todavia os têxteis locais congregam um significado muito importante nos rituais que celebram as mudanças das várias fases da vida (apresentação de um recém-nascido; casamento) ou o status social, nos rituais anímicos (enterro), outros que se prendem com a agricultura (iniciação de um jovem guerreiro na caça) ou em certos rituais que se prendem com as tradições do grupo (inaugu¬ração de uma casa).
Nas cerimónias, os homens vestem panos rectangu¬lares, denominados tais mane, compostos por dois ou três painéis cosidos entre si, que envergam à volta da cintura, e as mulheres vestem tais feto (sabulu) semelhantes, mas cosidos numa forma tubular, para assentar justo ao corpo, usados à volta da cintura ou atravessados na zona do peito, apenas com uma prega em baixo para permitir o movimento.
A grande diversidade cultural e linguística é transposta para os têxteis e, ao serem criados por grupos de etnias diferentes distinguem-se uns dos outros em termos de cores, motivos, técnicas utilizadas na tece¬lagem e no seu significado cultural.
Quando saem dos teares, os têxteis não são destinados, prio¬ritariamente, ao vestuário, excepto quando já estão gastos, ou aquando das cerimónias acima referidas. Todas estas cerimónias implicam o indivíduo, a linhagem, a família e a etnia a que se pertence e é, aqui, que a importân¬cia dos têxteis se revela, enquanto produtos de troca nas relações sociais e eco¬nómicas, assegurando a sobrevivência da linhagem e do grupo. Também pequenas faixas, ou lenços, cintos, malas para shiri ou bétel (estimulantes vegetais mastigáveis) e peças para a cabeça são popu¬lares como elementos de troca ou presentes. Todos estes elementos, de um modo geral, são decorados com sotis ou buna em vez de ikat.
As mulheres, quando ricas ou de determinada categoria social, vestem o “sarong batikado” (saia em forma tubular que vai desde a cintura aos pés, com padrões vários) e a “cabaia” (camiseiro com um corte próprio de Java) branca ou estampada à moda javaneza.
FIBRAS E TINGIDURAS
Os vários processos de fiação e tecelagem ocorrem, essen¬cialmente, durante a estação seca, sendo actividades femininas, muito valorizadas pelos membros de cada grupo, inteiramente, conscientes da importância dos têxteis nas relações mencionadas, anteriormente.
A principal fibra utilizada é o algodão e, onde ele é culti¬vado, a fiação manual é ainda comum, especialmente para têxteis que possuam um carácter especial.
O tais mane é composto por algodão, previamente, fiado e tingido com colorantes químicos, cumprido em ikat em teia. Já o Tais feto , igualmente em algodão, é bastante elaborado, sendo executado em ikat em teia e buna, com motivos de pássaro (Timor-Leste).
Timor tornou-se conhecido pelas cores vivas dos seus têxteis, embora essa não seja uma característica comum em todo o território. O vermelho é a cor dominante, pois para muitas comunidades está, tradicionalmente, associada à vida, ao sangue e à coragem. A maior parte das cores oriundas de corantes naturais provém, essencialmente, de três fontes, todas elas fáceis de obter em qualquer região da ilha:
Taun – Arbusto de cujas folhas se extrai uma tinta, que vai do tom azul-escuro ou esverdeado-escuro até ao preto. Uma vez colhi¬das, as folhas são esmagadas com um pilão. Numa das receitas mais populares, a esta pasta é adicionada água e cal, que reage com as folhas tornando o tinto mais escuro e permanente. Esta mis¬tura pode repousar assim vários dias, com os fios imergidos na solução, consoante o tom mais claro ou mais escuro pretendido, dentro da gama dos azuis-escuros e verdes-escuros.
Kinur – Trata-se da planta bulbosa açafrão, cujos estigmas são empregues para tingir. Uma vez extraídos, os estigmas são reduzidos a pó e misturados com, mais ou menos, água consoante o tom mais claro ou mais forte que se pretende. Deixa-se a solução repousar com os fios dentro, pelo menos um dia, duração esta que se prende, igualmente, com a vivacidade do tom que se quer obter. Consoante as receitas seguidas, consegue-se todas as tonalidades, que vão dos amarelos mais pálidos até aos laranjas mais fortes.
Teka – Árvore da teca, cujas folhas tenras são retiradas e esmagadas com um pilão. À pasta adiciona-se mais ou menos água consoante o tom mais rosa ou avermelhado que se pretende. Dependendo da receita e da quantidade de dias que se deixam os fios imergidos nesta solução, é possível obter tons de rosa e verme¬lho, de uma maior ou menor luminosidade e vivacidade.
Algumas das soluções supracitadas ainda são cozidas em panelas de barro.
TÉCNICAS DE TECELAGEM
Timor é reconhecido não só pela qualidade dos seus têxteis, mas também pelas diferentes técnicas decorativas, sendo a técnica de ikat a principal.
A técnica do ikat (atar antes de tingir), que pode ser execu¬tada nos fios da teia ou de trama, em Timor-Leste, aparece, unica¬mente, nos fios da teia. Este processo decorativo usa-se para repro¬duzir desenhos, a partir de cartões com os motivos executados em cestaria ou, mais comum nos dias de hoje e por influência dos portu-gueses, a partir dos desenhos em papel destinados a serem repro¬duzidos em crochet.
Nesta arte, os fios de algodão, ainda na sua cor original, são estendidos na armação de ikat, tal como foi mencionado anteriormente. A tecedeira, seguindo o desenho, vai atando com tiras vegetais secas ou ráfia os vários fios, cobrindo áreas que cor¬respondem ao motivo. Terminada esta tarefa, as meadas são retiradas da armação e tingidas na cor pretendida, sendo que as secções que estão unidas resistem ao corante. Após o tingimento e antes da tecelagem, os fios são tratados com uma solução de tapioca e água para os endurecer, tornando, portanto, mais fácil a tecelagem do padrão, que se quer apertado e nítido. As secções atadas são, então, desfeitas e o desenho surge na cor original do fio, recortado pela nova cor tingida. Uma vez tecidos os fios da teia, com um único fio de trama de uma só cor, são lavados em água fria diversas vezes, para amaciar o pano, dissolvendo-se assim a solução que o endureceu. Os coran¬tes são preparados com tal cuidado e perícia que, neste processo, não se observa virtualmente nenhuma perda de cor. O aspecto final dos tons do pano é suave e subtil, quase esbatidos, com motivos em ikat que parecem um negativo da cor natural dos fios.
Como complementos, encontram-se outras técnicas decorativas singulares de Timor, designadamente os sotis – passagem suplementar na teia, tecida de forma a parecer reversível –, e buna – trama suplementar descontínua, que dá o aspecto de um bordado. Qualquer destas técnicas, tal como foi mencionado ante¬riormente, varia muito de nome conforme a região da ilha, embora o processo de execução seja o mesmo.
A tecelagem é feita por tecedeiras que vivem nas comu¬nidades locais, sendo elas e as suas famílias responsáveis por todo o processo, desde a preparação dos fios à operação de atar as linhas para formar o desenho, seguindo-se o tingimento dos fios e culminando com a tecelagem dos panos. A produção inclui muitas vezes a combinação das técnicas de ikat e sotis (passagem suplementar na teia).
TEARES TRADICIONAIS
O fabrico das armações, onde é executada a técnica do ikat, e dos teares está, geralmente, a cargo dos homens. De funcionamento complexo, possuem, na esmaga¬dora maioria dos casos, um aspecto muito rudimentar.
A armação para a execução do ikat consiste numa estrutura de pouco mais de quatro paus de madeira, dispostos em forma de moldura, onde, com a ajuda de outros paus estreitos e amovíveis, as meadas são esticadas, escrupulosamente. Uma vez os fios paralelos uns aos outros a tecedeira inicia o seu minu¬cioso trabalho de atar, cobrindo pequenas porções de vários fios, de maneira a formar um desenho, só visível bastantes dias mais tarde, após o tingimento e novo esticamento das meadas na teia.
Os teares, bem mais complexos nos seus componentes, mas igualmente rudimentares, são teares de cintura (teares susten¬tados através de uma tira que passa atrás das costas da tecedeira). A tecedeira tem de trabalhar sentada no chão, de pernas estendidas, geralmente, em esteiras por elas elaboradas, esticando o próprio tear e a teia com a tensão exercida pelo seu corpo, atra¬vés de uma cinta que ela faz passar nas costas, na zona lombar. Este tipo de tear permite trabalhar com uma teia contínua que, com a técnica de tecelagem utilizada nesta região, produz tecidos com o mesmo aspecto e desenhos em ambos os lados, ou seja, não existindo direito e avesso.
Nas cerimónias, os homens vestem panos rectangu¬lares, denominados tais mane, compostos por dois ou três painéis cosidos entre si, que envergam à volta da cintura, e as mulheres vestem tais feto (sabulu) semelhantes, mas cosidos numa forma tubular, para assentar justo ao corpo, usados à volta da cintura ou atravessados na zona do peito, apenas com uma prega em baixo para permitir o movimento.
A grande diversidade cultural e linguística é transposta para os têxteis e, ao serem criados por grupos de etnias diferentes distinguem-se uns dos outros em termos de cores, motivos, técnicas utilizadas na tece¬lagem e no seu significado cultural.
Quando saem dos teares, os têxteis não são destinados, prio¬ritariamente, ao vestuário, excepto quando já estão gastos, ou aquando das cerimónias acima referidas. Todas estas cerimónias implicam o indivíduo, a linhagem, a família e a etnia a que se pertence e é, aqui, que a importân¬cia dos têxteis se revela, enquanto produtos de troca nas relações sociais e eco¬nómicas, assegurando a sobrevivência da linhagem e do grupo. Também pequenas faixas, ou lenços, cintos, malas para shiri ou bétel (estimulantes vegetais mastigáveis) e peças para a cabeça são popu¬lares como elementos de troca ou presentes. Todos estes elementos, de um modo geral, são decorados com sotis ou buna em vez de ikat.
As mulheres, quando ricas ou de determinada categoria social, vestem o “sarong batikado” (saia em forma tubular que vai desde a cintura aos pés, com padrões vários) e a “cabaia” (camiseiro com um corte próprio de Java) branca ou estampada à moda javaneza.
FIBRAS E TINGIDURAS
Os vários processos de fiação e tecelagem ocorrem, essen¬cialmente, durante a estação seca, sendo actividades femininas, muito valorizadas pelos membros de cada grupo, inteiramente, conscientes da importância dos têxteis nas relações mencionadas, anteriormente.
A principal fibra utilizada é o algodão e, onde ele é culti¬vado, a fiação manual é ainda comum, especialmente para têxteis que possuam um carácter especial.
O tais mane é composto por algodão, previamente, fiado e tingido com colorantes químicos, cumprido em ikat em teia. Já o Tais feto , igualmente em algodão, é bastante elaborado, sendo executado em ikat em teia e buna, com motivos de pássaro (Timor-Leste).
Timor tornou-se conhecido pelas cores vivas dos seus têxteis, embora essa não seja uma característica comum em todo o território. O vermelho é a cor dominante, pois para muitas comunidades está, tradicionalmente, associada à vida, ao sangue e à coragem. A maior parte das cores oriundas de corantes naturais provém, essencialmente, de três fontes, todas elas fáceis de obter em qualquer região da ilha:
Taun – Arbusto de cujas folhas se extrai uma tinta, que vai do tom azul-escuro ou esverdeado-escuro até ao preto. Uma vez colhi¬das, as folhas são esmagadas com um pilão. Numa das receitas mais populares, a esta pasta é adicionada água e cal, que reage com as folhas tornando o tinto mais escuro e permanente. Esta mis¬tura pode repousar assim vários dias, com os fios imergidos na solução, consoante o tom mais claro ou mais escuro pretendido, dentro da gama dos azuis-escuros e verdes-escuros.
Kinur – Trata-se da planta bulbosa açafrão, cujos estigmas são empregues para tingir. Uma vez extraídos, os estigmas são reduzidos a pó e misturados com, mais ou menos, água consoante o tom mais claro ou mais forte que se pretende. Deixa-se a solução repousar com os fios dentro, pelo menos um dia, duração esta que se prende, igualmente, com a vivacidade do tom que se quer obter. Consoante as receitas seguidas, consegue-se todas as tonalidades, que vão dos amarelos mais pálidos até aos laranjas mais fortes.
Teka – Árvore da teca, cujas folhas tenras são retiradas e esmagadas com um pilão. À pasta adiciona-se mais ou menos água consoante o tom mais rosa ou avermelhado que se pretende. Dependendo da receita e da quantidade de dias que se deixam os fios imergidos nesta solução, é possível obter tons de rosa e verme¬lho, de uma maior ou menor luminosidade e vivacidade.
Algumas das soluções supracitadas ainda são cozidas em panelas de barro.
TÉCNICAS DE TECELAGEM
Timor é reconhecido não só pela qualidade dos seus têxteis, mas também pelas diferentes técnicas decorativas, sendo a técnica de ikat a principal.
A técnica do ikat (atar antes de tingir), que pode ser execu¬tada nos fios da teia ou de trama, em Timor-Leste, aparece, unica¬mente, nos fios da teia. Este processo decorativo usa-se para repro¬duzir desenhos, a partir de cartões com os motivos executados em cestaria ou, mais comum nos dias de hoje e por influência dos portu-gueses, a partir dos desenhos em papel destinados a serem repro¬duzidos em crochet.
Nesta arte, os fios de algodão, ainda na sua cor original, são estendidos na armação de ikat, tal como foi mencionado anteriormente. A tecedeira, seguindo o desenho, vai atando com tiras vegetais secas ou ráfia os vários fios, cobrindo áreas que cor¬respondem ao motivo. Terminada esta tarefa, as meadas são retiradas da armação e tingidas na cor pretendida, sendo que as secções que estão unidas resistem ao corante. Após o tingimento e antes da tecelagem, os fios são tratados com uma solução de tapioca e água para os endurecer, tornando, portanto, mais fácil a tecelagem do padrão, que se quer apertado e nítido. As secções atadas são, então, desfeitas e o desenho surge na cor original do fio, recortado pela nova cor tingida. Uma vez tecidos os fios da teia, com um único fio de trama de uma só cor, são lavados em água fria diversas vezes, para amaciar o pano, dissolvendo-se assim a solução que o endureceu. Os coran¬tes são preparados com tal cuidado e perícia que, neste processo, não se observa virtualmente nenhuma perda de cor. O aspecto final dos tons do pano é suave e subtil, quase esbatidos, com motivos em ikat que parecem um negativo da cor natural dos fios.
Como complementos, encontram-se outras técnicas decorativas singulares de Timor, designadamente os sotis – passagem suplementar na teia, tecida de forma a parecer reversível –, e buna – trama suplementar descontínua, que dá o aspecto de um bordado. Qualquer destas técnicas, tal como foi mencionado ante¬riormente, varia muito de nome conforme a região da ilha, embora o processo de execução seja o mesmo.
A tecelagem é feita por tecedeiras que vivem nas comu¬nidades locais, sendo elas e as suas famílias responsáveis por todo o processo, desde a preparação dos fios à operação de atar as linhas para formar o desenho, seguindo-se o tingimento dos fios e culminando com a tecelagem dos panos. A produção inclui muitas vezes a combinação das técnicas de ikat e sotis (passagem suplementar na teia).
TEARES TRADICIONAIS
O fabrico das armações, onde é executada a técnica do ikat, e dos teares está, geralmente, a cargo dos homens. De funcionamento complexo, possuem, na esmaga¬dora maioria dos casos, um aspecto muito rudimentar.
A armação para a execução do ikat consiste numa estrutura de pouco mais de quatro paus de madeira, dispostos em forma de moldura, onde, com a ajuda de outros paus estreitos e amovíveis, as meadas são esticadas, escrupulosamente. Uma vez os fios paralelos uns aos outros a tecedeira inicia o seu minu¬cioso trabalho de atar, cobrindo pequenas porções de vários fios, de maneira a formar um desenho, só visível bastantes dias mais tarde, após o tingimento e novo esticamento das meadas na teia.
Os teares, bem mais complexos nos seus componentes, mas igualmente rudimentares, são teares de cintura (teares susten¬tados através de uma tira que passa atrás das costas da tecedeira). A tecedeira tem de trabalhar sentada no chão, de pernas estendidas, geralmente, em esteiras por elas elaboradas, esticando o próprio tear e a teia com a tensão exercida pelo seu corpo, atra¬vés de uma cinta que ela faz passar nas costas, na zona lombar. Este tipo de tear permite trabalhar com uma teia contínua que, com a técnica de tecelagem utilizada nesta região, produz tecidos com o mesmo aspecto e desenhos em ambos os lados, ou seja, não existindo direito e avesso.
POVOAÇÃO
Antigamente, a distribuição da habitação rural em Timor efectuava-se segundo dois modos fundamentais de povoamento: a aglomeração das casas em aldeamentos e o povoamento disperso em pequenos núcleos familiares isolados.
O modo de povoamento em dispersão devia-se a três factores, designadamente a natureza geográfica do território), as características sociais e culturais e o terceiro resultava da interacção destes dois, podendo conduzir, de acordo com as circunstâncias, à dispersão ou à concentração em aldeamentos.
O primeiro factor era o mais preponderante, pois tratando-se de um território montanhoso determina a fragmentação dos recursos naturais e, uma vez que a economia de subsistência assenta em culturas itinerantes e na horticultura mista, é necessária a disseminação do habitat, pois as pequenas superfícies de terras cultiváveis nas montanhas, só, podem fornecer alimentação a poucas famílias praticantes da cultura itinerante, que exige uma área múltipla das terras cultivadas num dado ano.
Por outro lado, a aglomeração de casas em aldeamento devia-se às constantes guerras entre os “Sucos”, surgindo a tendência de se agruparem em grandes aglomerados fortificados em locais de difícil acesso como um modo dos nativos se defenderam das guerrilhas e rapinagens.
Mais tarde, depois de assegurada a paz entre os reinos nativos rivais, devido à acção da administração portuguesa, os timorenses espalharam-se por todos os recantos da ilha.
A CASA
Nos primórdios do povo timorense, os belos da região norte, orientavam as suas das habitações segundo disposições simbólicas, ligadas a remotas tradições. Alguns implantavam-nas na direcção das montanhas mais altas, a terra das almas (mate-bian); outros, na direcção do mar, neste caso, o norte; e outros orientavam-nas para a região de onde, em tempos antigos, a gente nobre tomou as mulheres.
A forma como o remate da cobertura é construído permite distinguir dois tipos de casa. O primeiro - uma-rabi - é o mais vulgar, uma vez que o fecho da cobertura é de mais fácil construção e o segundo tipo é a uma-kakaduk. Em tempos remotos, ambos demarcavam zonas distintas no aldeamento, por pertencerem a famílias de diferentes linhagens e classe. Ainda hoje, a uma-kakadul confere distinção hierárquica aos seus ocupantes. Encontra-se, por vezes, um terceiro tipo, chamando uma-suco-sou, considerado o modelo de casa mais antigo, por pertencer aos melus, os primitivos ocupantes da ilha, hoje, completamente, diluídos na população.
“A casa tradicional timorense, de forma rectangular e assente em numerosos prumos, atinge, vulgarmente, 11 m de comprimento por 7 m de largura e é coberta, até 1 m do chão, por 4 águas muito inclinadas, revestidas a capim. As arestas de intercepção da cobertura são arredondadas, oferecendo, assim, uma resistência menor aos ventos das montanhas. As duas águas maiores interceptam-se, segundo uma aresta paralela ao eixo maior da habitação e definida pelo pau de fileira. O remate da cobertura distinguea a uma-rabi e a uma kakaduk. Na primeira, os molhos de capim apostos junto do pau de fileira são atados a este na altura em que se interceptam e unidos depois nas suas extremidades dos molhos do capim são acamadas por feixes de amuti, que se fixam por meio de traves colocadas, duas a duas, de ambos os lados da cumiera; um rebordo de caniço cruzado encima o conjunto e assegura a aderência perfeita do gamuti-elemento isolar-ao capim da cobertura.
O pau de fileira apoia-se em dois grossos pilares colocados nas extremidades. Estes dois postes, considerados sagrados, definem a compartimentação interna da casa em três zonas fundamentais: a varanda de entrada; a dependência cultural, de pavimento elevado em relação ao das outras divisões e, no outro extremo, uma terceira divisão eventual. A sala central, separada da varanda por uma parede de 1,5 de altura, comunica com esta por uma porta baixa e estreita situada junto do pilar principal, kaluk lor ou simplesmente, lor. Do lado oposto da sala, junto da lareira, ergue-se o kakaluk-rai ou “pilar da terra”. Kakaluk –lor significa “pilar do mar fundo” e relaciona-se com os mitos de origem e migração segundo os quais os antepassados teriam vindo de outras terras de além do mar. Testemunha também que, em tempos, a entrada da casa estava voltada na direcção do mar. Estes dois pilares são objectos ritos culturais por parte dos habitantes: no chão, junto dele, o chefe de família coloca um prato de pedra, o lor-fufu-hun e, sobre a lareira, depõe um outro, o lor-hun. Ambos servem de altar às cerimónias propiciatórias e neles colocam oferendas de natureza vária, aos espíritos protectores do lar. O centro de habitação destina-se à dormida e à preparação de alimentos. A lareira fica, aparentemente, separada do resto da sala por uma viga transversal (kotan). Esta sala é um sítio de ócio e dormida dos donos da casa e crianças.
No kahak-lor, estrado situado por cima da varanda de entrada, e no kradak, colocado sobre o compartimento posterior, guarda-se o arroz, a batata-doce e o amendoim. Sobre a lareira, numa arrecadação chamada kahak-rai, guarda-se o milho e o feijão, armazenados em sacos de fibra de palmeira. A lenha é arrumada debaixo do sobrado, que serve, igualmente, de abrigo aos porcos e galinhas.”
Os casais jovens e os rapazes dormem na varanda (selak), separados uns aos outros por esteiras verticais. Na região de língua tétum, as raparigas casadoiras repousam em pequenos lantens construídos junto da sala, onde a claridade é quase nula, a pouca luz e ar que lhes chega provém da porta principal da sala grande e dos intervalos das tábuas mal unidas do sobrado e das paredes.
Actualmente, as casas tradicionais ainda existem e são habitadas pelos autóctones, mas a habitação de construção europeia, em tijolo, encontra-se, igualmente, bastante difundida.
O modo de povoamento em dispersão devia-se a três factores, designadamente a natureza geográfica do território), as características sociais e culturais e o terceiro resultava da interacção destes dois, podendo conduzir, de acordo com as circunstâncias, à dispersão ou à concentração em aldeamentos.
O primeiro factor era o mais preponderante, pois tratando-se de um território montanhoso determina a fragmentação dos recursos naturais e, uma vez que a economia de subsistência assenta em culturas itinerantes e na horticultura mista, é necessária a disseminação do habitat, pois as pequenas superfícies de terras cultiváveis nas montanhas, só, podem fornecer alimentação a poucas famílias praticantes da cultura itinerante, que exige uma área múltipla das terras cultivadas num dado ano.
Por outro lado, a aglomeração de casas em aldeamento devia-se às constantes guerras entre os “Sucos”, surgindo a tendência de se agruparem em grandes aglomerados fortificados em locais de difícil acesso como um modo dos nativos se defenderam das guerrilhas e rapinagens.
Mais tarde, depois de assegurada a paz entre os reinos nativos rivais, devido à acção da administração portuguesa, os timorenses espalharam-se por todos os recantos da ilha.
A CASA
Nos primórdios do povo timorense, os belos da região norte, orientavam as suas das habitações segundo disposições simbólicas, ligadas a remotas tradições. Alguns implantavam-nas na direcção das montanhas mais altas, a terra das almas (mate-bian); outros, na direcção do mar, neste caso, o norte; e outros orientavam-nas para a região de onde, em tempos antigos, a gente nobre tomou as mulheres.
A forma como o remate da cobertura é construído permite distinguir dois tipos de casa. O primeiro - uma-rabi - é o mais vulgar, uma vez que o fecho da cobertura é de mais fácil construção e o segundo tipo é a uma-kakaduk. Em tempos remotos, ambos demarcavam zonas distintas no aldeamento, por pertencerem a famílias de diferentes linhagens e classe. Ainda hoje, a uma-kakadul confere distinção hierárquica aos seus ocupantes. Encontra-se, por vezes, um terceiro tipo, chamando uma-suco-sou, considerado o modelo de casa mais antigo, por pertencer aos melus, os primitivos ocupantes da ilha, hoje, completamente, diluídos na população.
“A casa tradicional timorense, de forma rectangular e assente em numerosos prumos, atinge, vulgarmente, 11 m de comprimento por 7 m de largura e é coberta, até 1 m do chão, por 4 águas muito inclinadas, revestidas a capim. As arestas de intercepção da cobertura são arredondadas, oferecendo, assim, uma resistência menor aos ventos das montanhas. As duas águas maiores interceptam-se, segundo uma aresta paralela ao eixo maior da habitação e definida pelo pau de fileira. O remate da cobertura distinguea a uma-rabi e a uma kakaduk. Na primeira, os molhos de capim apostos junto do pau de fileira são atados a este na altura em que se interceptam e unidos depois nas suas extremidades dos molhos do capim são acamadas por feixes de amuti, que se fixam por meio de traves colocadas, duas a duas, de ambos os lados da cumiera; um rebordo de caniço cruzado encima o conjunto e assegura a aderência perfeita do gamuti-elemento isolar-ao capim da cobertura.
O pau de fileira apoia-se em dois grossos pilares colocados nas extremidades. Estes dois postes, considerados sagrados, definem a compartimentação interna da casa em três zonas fundamentais: a varanda de entrada; a dependência cultural, de pavimento elevado em relação ao das outras divisões e, no outro extremo, uma terceira divisão eventual. A sala central, separada da varanda por uma parede de 1,5 de altura, comunica com esta por uma porta baixa e estreita situada junto do pilar principal, kaluk lor ou simplesmente, lor. Do lado oposto da sala, junto da lareira, ergue-se o kakaluk-rai ou “pilar da terra”. Kakaluk –lor significa “pilar do mar fundo” e relaciona-se com os mitos de origem e migração segundo os quais os antepassados teriam vindo de outras terras de além do mar. Testemunha também que, em tempos, a entrada da casa estava voltada na direcção do mar. Estes dois pilares são objectos ritos culturais por parte dos habitantes: no chão, junto dele, o chefe de família coloca um prato de pedra, o lor-fufu-hun e, sobre a lareira, depõe um outro, o lor-hun. Ambos servem de altar às cerimónias propiciatórias e neles colocam oferendas de natureza vária, aos espíritos protectores do lar. O centro de habitação destina-se à dormida e à preparação de alimentos. A lareira fica, aparentemente, separada do resto da sala por uma viga transversal (kotan). Esta sala é um sítio de ócio e dormida dos donos da casa e crianças.
No kahak-lor, estrado situado por cima da varanda de entrada, e no kradak, colocado sobre o compartimento posterior, guarda-se o arroz, a batata-doce e o amendoim. Sobre a lareira, numa arrecadação chamada kahak-rai, guarda-se o milho e o feijão, armazenados em sacos de fibra de palmeira. A lenha é arrumada debaixo do sobrado, que serve, igualmente, de abrigo aos porcos e galinhas.”
Os casais jovens e os rapazes dormem na varanda (selak), separados uns aos outros por esteiras verticais. Na região de língua tétum, as raparigas casadoiras repousam em pequenos lantens construídos junto da sala, onde a claridade é quase nula, a pouca luz e ar que lhes chega provém da porta principal da sala grande e dos intervalos das tábuas mal unidas do sobrado e das paredes.
Actualmente, as casas tradicionais ainda existem e são habitadas pelos autóctones, mas a habitação de construção europeia, em tijolo, encontra-se, igualmente, bastante difundida.
RELIGIÃO
O timorense depara-se com dois mundos: o cosmos, o território que habita e o espaço desconhecido que o circunda, povoado de demónios e almas de defuntos.
Estabelecer-se num local, organizá-lo e habitá-lo são actos que conferem ao primeiro um cariz de divindade, como que a criação de um mundo. Assim, a aldeia encontra-se dividida em quatro sectores, que remetem para a divisão do Universo conhecido em quatro horizontes, erguendo-se, no meio da aldeia, a casa cultural (uma lulic). Na outra extremidade, debaixo da terra, situa-se o mundo dos mortos, simbolizado pelas serpentes e crocodilos. O lugar sacralizado (uma lulic) provocou uma rotura na homogeneidade do espaço, permitindo a comunicação entre os três níveis cósmicos – Céu, Terra e regiões inferiores.
O simbolismo cósmico do mundo, expresso na aldeia e na casa de habitação, é retomado na “uma lulic”, habitada pelos espíritos dos antigos guerreiros – a casa é uma imagem do mundo, a sua cobertura é o Céu, o pilar é o “eixo do mundo” que sustenta o imenso tecto celeste e desempenha um importante papel nos rituais: é na sua base que têm lugar os sacrifícios em honra do ser supremo, Marômac «…Dois postes grandes e grossos (Kakaluk rai e Kakaluk lor) irrompem na grande sala e suportam, por si sós, grande parte do peso da cobertura. O kakaluk lor, símbolo do oculto da casa, é objecto de especiais atenções, no chão, perto dele, o chefe da família coloca um prato de pedra, o “lor fufuhum” e sobre a lareira, dispõe um outro, o “ lor hun”.» A casa sagrada é propriedade de toda a população e elemento de união entre o clã, se a “uma lulic” desaparecer por ruína ou incêndio, grande desgraça se abaterá sobre o povo e as famílias dispersar-se-ão. A guarda da “uma lulic” é confiada a um(a) velho(a) do clã, responsáveis por ela perante a população.
As casas sagradas, idênticas às habitações familiares, diferem das últimas pelos ornamentos e esculturas de aves em madeira, pelos lagartos, crocodilos, tokés, ou seios de mulher, esculpidos na madeira das portas, comportando uma função decorativa e um acentuado significado totémico, que denotam a dualidade do simbolismo religioso timorense.
A construção e inauguração de uma casa equivale a uma nova vida e, para que a obra seja resistente deve receber, concomitantemente, uma vida e uma alma, sendo que a transferência da última se opera através de um sacrifício sangrento. O animismo destas relações, presente em toda a vida timorense, representa a expressão de um estado de espírito que não distingue os procedimentos a ter para com as pessoas e o procedimento a seguir com “as coisas”.
Tudo o que causa receio ou é considerado importante é guardado nas “uma lulic”, como sejam uma espada, uma pedra de feitio singular, um saco de masca que foi pertença de um avô.
Tudo tem alma, as pedras, as árvores, especialmente as de grande porte, os gondões frondosos, as montanhas elevadas habitadas pelas almas dos mortos (mate-biam), as ribeiras tumultuosas, as florestas virgens, impenetráveis e sempre verdes.
Na cultura timorense subsistem, ainda, vestígios de totemismo, da exogamia e de um passado matriarcal. O totem (geralmente um animal), antepassado venerado e seu espírito protector, castiga o clã, com a destruição, quando é morto por algum dos seus comportamentos e proíbe o casamento ou relações sexuais entre membros da mesma tribo. Em muitas regiões o crocodilo (lafae), ainda, é animal sagrado, sendo chamado de avô.
A sobrevivência da cultura matriarcal refere-se ao costume de decapitar os inimigos mortos em combate, cujas cabeças são expostas na árvore lulic, atadas aos troncos com vibras de gamúti, durante as cerimónias fúnebres. Os crânios têm alma e necessidades, por isso os “açuaim” (guerreiros) lhes ofertam carne e arroz, sendo sinal de valentia comer estes alimentos sujos, assimilando a bravura dos guerreiros mortos. Como era uso na magia medieval, os feiticeiros (matan doc) lançam um feitiço de ódio ou quebranto sobre qualquer objecto que tenha pertencido à vítima. Outra função dos matam doc era defender as pessoas dos “buan” (espíritos maus) e vender remédios.
Por outro lado, nas hortas e campos de cultivo, é vulgar os agricultores colocarem aí-tós – troncos de madeira em forma antropomórfica que simbolizam os antepassados de linhagem – que assentam em socos de pedras soltas sobre os quais, antes da colheitas, se dispõem as espigas de milho ou de arroz.. Ao oferecer alimento ao espírito tutelar da plantação, o agricultor pretende obter a sua protecção para as colheitas futuras.
Existiam, ainda, os altares (foho), montes arredondados de pedra solta, encimados pelos pratos de sacrifício (fatu bui soles) onde os sacerdotes e anciãos se reuniam para examinar as entranhas dos animais e expor as oferendas de milho e arroz.
Realizam-se festas, com oferendas de arroz cozido e carne assada dos animais sacrificados, acompanhadas de dança diante da “uma-lulic”, em ocasiões como o casamento de régulos, o regresso da guerra, ou aquando das colheitas. Mas a prática mais significativa, ainda, é o funeral (acoi-mate), em que toda a família do defunto se reúne, contribuindo com alimentos, e inicia-se um grande banquete, que é repetido um ano depois, comemorando o desluto (koro metan). Os mortos pertencentes a famílias nobres eram transportados em troncos de árvore escavados, ou quando plebeus, envoltos em esteiras e enterrados diante da casa mais importante do aglomerado, habitada pelo homem mais idoso da aldeia. Este ritual foi substituído pelo enterro dos mortos nos cemitérios, pelo menos nas cidades.
Actualmente, alguns destes rituais anímicos encontram-se em processo de extinção, uma vez que o catolicismo encontra-se, largamente, difundido.
Estabelecer-se num local, organizá-lo e habitá-lo são actos que conferem ao primeiro um cariz de divindade, como que a criação de um mundo. Assim, a aldeia encontra-se dividida em quatro sectores, que remetem para a divisão do Universo conhecido em quatro horizontes, erguendo-se, no meio da aldeia, a casa cultural (uma lulic). Na outra extremidade, debaixo da terra, situa-se o mundo dos mortos, simbolizado pelas serpentes e crocodilos. O lugar sacralizado (uma lulic) provocou uma rotura na homogeneidade do espaço, permitindo a comunicação entre os três níveis cósmicos – Céu, Terra e regiões inferiores.
O simbolismo cósmico do mundo, expresso na aldeia e na casa de habitação, é retomado na “uma lulic”, habitada pelos espíritos dos antigos guerreiros – a casa é uma imagem do mundo, a sua cobertura é o Céu, o pilar é o “eixo do mundo” que sustenta o imenso tecto celeste e desempenha um importante papel nos rituais: é na sua base que têm lugar os sacrifícios em honra do ser supremo, Marômac «…Dois postes grandes e grossos (Kakaluk rai e Kakaluk lor) irrompem na grande sala e suportam, por si sós, grande parte do peso da cobertura. O kakaluk lor, símbolo do oculto da casa, é objecto de especiais atenções, no chão, perto dele, o chefe da família coloca um prato de pedra, o “lor fufuhum” e sobre a lareira, dispõe um outro, o “ lor hun”.» A casa sagrada é propriedade de toda a população e elemento de união entre o clã, se a “uma lulic” desaparecer por ruína ou incêndio, grande desgraça se abaterá sobre o povo e as famílias dispersar-se-ão. A guarda da “uma lulic” é confiada a um(a) velho(a) do clã, responsáveis por ela perante a população.
As casas sagradas, idênticas às habitações familiares, diferem das últimas pelos ornamentos e esculturas de aves em madeira, pelos lagartos, crocodilos, tokés, ou seios de mulher, esculpidos na madeira das portas, comportando uma função decorativa e um acentuado significado totémico, que denotam a dualidade do simbolismo religioso timorense.
A construção e inauguração de uma casa equivale a uma nova vida e, para que a obra seja resistente deve receber, concomitantemente, uma vida e uma alma, sendo que a transferência da última se opera através de um sacrifício sangrento. O animismo destas relações, presente em toda a vida timorense, representa a expressão de um estado de espírito que não distingue os procedimentos a ter para com as pessoas e o procedimento a seguir com “as coisas”.
Tudo o que causa receio ou é considerado importante é guardado nas “uma lulic”, como sejam uma espada, uma pedra de feitio singular, um saco de masca que foi pertença de um avô.
Tudo tem alma, as pedras, as árvores, especialmente as de grande porte, os gondões frondosos, as montanhas elevadas habitadas pelas almas dos mortos (mate-biam), as ribeiras tumultuosas, as florestas virgens, impenetráveis e sempre verdes.
Na cultura timorense subsistem, ainda, vestígios de totemismo, da exogamia e de um passado matriarcal. O totem (geralmente um animal), antepassado venerado e seu espírito protector, castiga o clã, com a destruição, quando é morto por algum dos seus comportamentos e proíbe o casamento ou relações sexuais entre membros da mesma tribo. Em muitas regiões o crocodilo (lafae), ainda, é animal sagrado, sendo chamado de avô.
A sobrevivência da cultura matriarcal refere-se ao costume de decapitar os inimigos mortos em combate, cujas cabeças são expostas na árvore lulic, atadas aos troncos com vibras de gamúti, durante as cerimónias fúnebres. Os crânios têm alma e necessidades, por isso os “açuaim” (guerreiros) lhes ofertam carne e arroz, sendo sinal de valentia comer estes alimentos sujos, assimilando a bravura dos guerreiros mortos. Como era uso na magia medieval, os feiticeiros (matan doc) lançam um feitiço de ódio ou quebranto sobre qualquer objecto que tenha pertencido à vítima. Outra função dos matam doc era defender as pessoas dos “buan” (espíritos maus) e vender remédios.
Por outro lado, nas hortas e campos de cultivo, é vulgar os agricultores colocarem aí-tós – troncos de madeira em forma antropomórfica que simbolizam os antepassados de linhagem – que assentam em socos de pedras soltas sobre os quais, antes da colheitas, se dispõem as espigas de milho ou de arroz.. Ao oferecer alimento ao espírito tutelar da plantação, o agricultor pretende obter a sua protecção para as colheitas futuras.
Existiam, ainda, os altares (foho), montes arredondados de pedra solta, encimados pelos pratos de sacrifício (fatu bui soles) onde os sacerdotes e anciãos se reuniam para examinar as entranhas dos animais e expor as oferendas de milho e arroz.
Realizam-se festas, com oferendas de arroz cozido e carne assada dos animais sacrificados, acompanhadas de dança diante da “uma-lulic”, em ocasiões como o casamento de régulos, o regresso da guerra, ou aquando das colheitas. Mas a prática mais significativa, ainda, é o funeral (acoi-mate), em que toda a família do defunto se reúne, contribuindo com alimentos, e inicia-se um grande banquete, que é repetido um ano depois, comemorando o desluto (koro metan). Os mortos pertencentes a famílias nobres eram transportados em troncos de árvore escavados, ou quando plebeus, envoltos em esteiras e enterrados diante da casa mais importante do aglomerado, habitada pelo homem mais idoso da aldeia. Este ritual foi substituído pelo enterro dos mortos nos cemitérios, pelo menos nas cidades.
Actualmente, alguns destes rituais anímicos encontram-se em processo de extinção, uma vez que o catolicismo encontra-se, largamente, difundido.
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